Em 2004, escrevi o artigo “Chico Buarque e a minha música“, publicado no Jornal “Uruá-Tapera” – Gazeta do Oeste” (Belém-PA), Ano XII, edição nº 109, de junho/2004, p. 6.
Ao ensejo dos 80 anos de Chico Buarque de Hollanda, notável compositor, poeta e escritor, retorno ao tema, com algumas atualizações.
Desde criança, fui conduzido, por meu pai, no sentido de preservar a tradição da família Fonseca, na arte da música.
Antes de completar 10 anos de idade, apresentei-me, por várias vezes, tocando ao piano peças infantis, nos programas musicais organizados pelo Maestro Isoca (Wilson Fonseca), notadamente no “Centro Recreativo”, em Santarém, ora como solista, ora em execução a 4 mãos com meu genitor ou meus irmãos, que também se dedicavam ao estudo daquele instrumento (Maria da Conceição e Agostinho Neto, hoje maestro da conceituada Orquestra Jovem “Wilson Fonseca”).
Após estudar, em São Paulo, nos anos de 1962 e 1963, no Conservatório Musical “José Maurício”, dirigido pelas irmãs professoras Rachel e Gioconda Peluso, santarenas há muitos anos domiciliadas naquela capital, retornei para Santarém.
Além do piano, participei de conjuntos musicais, inclusive na animação de festas dançantes, executando teclados eletrônicos. Fui integrante, por exemplo, dos conjuntos “Tapajoara” e “Os Tapajônios”, bem como da Banda Marcial do Colégio “Dom Amando” e da Banda de Música “Prof. José Agostinho”, tocando também instrumentos de sopro (sax-horn ou trompa, trombone de piston e barítono ou bombardino). Participei, ainda, de programas de auditório, para acompanhar, no teclado eletrônico, os “calouros” que se apresentavam na casa de espetáculo “Cristo Rei”, notadamente no “Domingo após a Missa”, conduzido pelos radialistas Osmar Simões e Ércio Bemerguy.
A partir de 1967 passei a residir em Belém, a fim de freqüentar a Universidade. Todavia, sempre participei de movimentos relacionados à música em minha terra natal.
Por não contar com o piano, na capital paraense, comecei a dedicar-me também ao violão, muito embora tivesse uma escaleta (espécie de teclado de boca) que servia apenas para “quebrar o galho”. Foi com a ajuda do violão que iniciei a minha experiência como compositor.
Todavia, a minha primeira composição musical foi a valsinha “Experimentar“, composta em janeiro de 1958, que dediquei ao meu tio Wilmar Fonseca.
Em fevereiro de 1968, em gozo de férias em Santarém, compus a música do samba lento “Queixumes do Fim”, com letra de Emir Bemerguy.
Em maio de 1969, escrevi o “Pequeno Estudo em Sol Menor”, que permaneceu, durante trinta e quatro anos, apenas com a melodia cifrada. Em 12.09.2003, adaptei essa peça para canto (soprano ou tenor) e piano, acrescentando-lhe uma letra, também de minha autoria, para nova composição, sob o título de “Pequena Ária em Sol Menor”.
Desde então não parei mais de compor.
Embora residindo na capital paraense, sempre mantive com a minha família assídua correspondência musical.
Tenho dito que sofri, é claro, influências musicais de meu avô paterno (José Agostinho da Fonseca, 1886-1945) e de meu pai (Wilson Fonseca, 1912-2002).
Mas devo confessar que, no âmbito da música popular, minha maior influência talvez tenha sido proporcionada por Chico Buarque de Hollanda.
Aproveitando, então, o ensejo de merecidas homenagens que foram prestadas a Chico Buarque, no ano de seu 60º aniversário natalício, escrevi o artigo “Chico Buarque e a minha música“, em homenagem ao admirável compositor brasileiro.
Chico Buarque de Hollanda, nascido em 19 de junho de 1944, no Rio de Janeiro, é um dos compositores brasileiros que mais aprecio, ao lado de Villa-Lobos, Ernesto Nazareth, Francisco Mignone, Pixinguinha e Tom Jobim. É claro que José Agostinho da Fonseca, meu avô, e Wilson Fonseca (Maestro Isoca), meu pai, são casos mais do que especiais. Nessa lista de preferências, devo incluir, no âmbito da música erudita, Bach, Mozart, Beethoven e Chopin. São doze compositores que representam, a meu ver, a quinta-essência da arte de Euterpe.
Chico Buarque venceu o 2º Festival de Música Popular Brasileira, na TV Record, em 1966, com a linda marcha “A Banda”, um clássico do cancioneiro nacional.
Em 1967, foi realizado, em Belém, o primeiro Festival de Música, nos moldes daqueles organizados no sul do país, à época. Esse Festival foi promovido por alunos da Faculdade de Direito da Universidade Federal do Pará. Na ocasião eu estava cursando o 1º ano da graduação universitária. Dada a minha vivência musical, fui convidado para integrar a Comissão Julgadora do certame. Integrou o júri desse histórico certame Maestro Waldemar Henrique, então Diretor do Theatro da Paz. E a grande atração do evento era a presença de Chico Buarque de Hollanda, na capital paraense.
Estudante universitário, eu morava na “Casa da Juventude”, dirigida pelo Padre Raul Tavares de Sousa, natural de Alenquer, mas com raízes familiares em Santarém. O religioso fora aluno de violino, de meu pai, quando jovem. Era ali na “CAJU” que os jovens se encontravam para a troca de idéias culturais e científicas, tão importantes para a nossa formação humanística e espiritual.
Lançados os sucessos musicais de Chico Buarque, Tom Jobim, Caetano Veloso, Gilberto Gil, Geraldo Vandré, Edu Lobo e tantos outros, não só procurávamos aprender as novidades, como também dispúnhamos de um importante programa semanal na Rádio Guajará, para fazer as críticas e os comentários que entendíamos adequados diante das canções compostas por uma plêiade de excelentes compositores e poetas, tão jovens como nós. A mim cabia, em particular, tecer considerações sobre a parte musical da composição, em face de minha experiência nessa área. Outros colegas faziam comentários sobre a letra e a mensagem que o poema poderia ensejar. Havia participação destacada dos ouvintes.
A descoberta de Chico Buarque, naquele ano de 1967, foi algo muito marcante em minha vida musical.
Chico sintetiza a essência da alma brasileira, que se identifica com os mais notáveis compositores da autêntica música popular nacional, tais como Chiquinha Gonzaga, Donga, Sinhô, Ary Barroso, Noel Rosa, Lamartine Babo e Braguinha. Ele é, por certo, um verdadeiro cronista do nosso cotidiano. Suas letras são inspiradíssimas, do mesmo nível de Carlos Drummond de Andrade, Manuel Bandeira, João Cabral de Mello Neto ou Vinicius de Moraes. Falam sobre temas atuais. Coisas do nosso tempo. Suas belas melodias fluem naturalmente, com o sabor da tradição brasileira. E suas harmonias musicais são muito ricas. Enfim, um compositor e um poeta na mais pura acepção do termo, que também se revelou escritor dos mais apreciáveis, pela publicação de vários livros, como “Estorvo”, “Budapeste” e “Benjamim” – este último, tema de recente filme nacional –, sem falar na sua participação em diversas peças teatrais (“Gota d’Água” e “Ópera do Malandro”).
Uma de minhas diversões preferidas era levar para ouvir, durante as minhas deliciosas férias em Santarém, os discos do Chico Buarque, para “dissecar” os seus maravilhosos achados musicais e poéticos.
Cheguei a convencer meu pai – cuja experiência com músicas de banda, que já vinha desde a década de 20, permitiu-lhe compor quase 50 dobrados e tantas outras peças do gênero – a fazer um arranjo da “Banda”, do Chico, para ser executado pela Banda (atualmente Filarmônica) Municipal “Professor José Agostinho”, dirigida pelos Maestros “Isoca” e “Dororó” (Wilde Fonseca, meu tio). Na época, eu tocava, nos períodos de férias, sax-horn (trompa) e, depois, barítono. Lembro-me, como se fosse hoje, quando estreamos a nova música no coreto da Praça da Matriz, em Santarém. Foi um sucesso.
Meu pai procurava manter-se atualizado com a música de seu tempo. Ele também fez, na década de 90 do século XX, um arranjo da bonita composição “Yesterday”, dos Beatles, que foi cantado pelo Coral da “Justiça do Trabalho”, do qual eu participava como pianista.
Aliás, em 1975 eu compus a música “Praça da Matriz”, cuja letra é de Emir Bemerguy (1970), uma marcha-rancho, que foi gravada pelo cantor santareno Ray Brito, acompanhado do conjunto “Os Hippies”. E, recentemente, interpretada pelo barítono Júlio César Antunes, acompanhado da Filarmônica Municipal “Professor José Agostinho”, em Santarém.
Além de vários hinos (mais de 180), compus diversas outras marchas, certamente motivado pela “Banda”, do Chico Buarque.
Tal como Chico Buarque, sempre tive predileção pelos sambas, canções, toadas e valsas, em estilo bem brasileiro. No âmbito popular, compus muitas músicas adotando tais paradigmas. A série de “Valsas Santarenas” já soma, hoje, 143 peças.
Voltemos ao tema dos Festivais de Música.
Em 1968, realizou-se o “1º Festival da Música Popular da Amazônia”, promovido pela “Casa da Juventude”, onde, universitário, eu residia. A atração do evento não era mais um famoso compositor ou cantor do sul país, mas a apresentação – creio que pela vez primeira, em Belém – do “carimbó” de Marapanim, na Quadra de Esportes do Ginásio “Serra Freire”. Na companhia do Maestro Waldemar Henrique, também integrei a Comissão Julgadora daquele Festival. No final do evento, a apresentação do carimbó foi uma verdadeira apoteose.
Em 1970, com apenas 22 anos, resolvi fazer uma experiência no âmbito da música mais erudita. Participei do Concurso de Compositores Paraenses, organizado pelo Programa de Televisão “Momento de Arte”, dirigido e apresentado pelo Prof. Milton Assis, Presidente da Academia de Música “Alencar Terra”. Nesse concurso, obtive o 3º lugar na classificação final, com a composição musical “Canção a um Grande Amor”. A entrega dos prêmios deu-se nos estúdios da TV Guajará (Canal 4), de Belém. A música foi interpretada pela Orquestra Sinfônica da Universidade Federal do Pará, com arranjo orquestral de meu pai.
Ainda em 1970 foi realizado, em Santarém, o 1º Festival de Música Popular do Baixo-Amazonas, de cuja organização participei ativamente, inclusive como integrante da Comissão Julgadora, presidida pelo Maestro Waldemar Henrique.
No ano seguinte, no dia de minha colação de grau como Bacharel em Direito, participei do “1º Festival Estudantil da Canção”, concorrendo, em Belém, com três composições musicais, das quais duas ficaram entre as dez finalistas: “Apocalíptica” e “Motivo Amazônico”.
Nessa época, participei, em Belém e Santarém, de outros eventos artísticos, inclusive como membro de Comissões Julgadoras de Festivais de Música.
Gostaria de destacar a “Semana de Santarém”, no Theatro da Paz (1972), quando foi executada, pela Orquestra e Madrigal da Universidade Federal do Pará, a peça “Acalanto“, de minha autoria, com arranjo orquestral de meu pai; e a apresentação, em 1973, de um grupo de artistas santarenos, em Porto Alegre (RS), a convite da VARIG e da Companhia Rubem Berta, onde também estive.
Coincidência ou não, o excelente samba “Quem te viu, quem te vê”, do Chico, lançado em 1967, apresenta curiosa identidade com o belo samba “A Glória de um Trovador”, que meu pai compôs sobre a letra de Emir Bemerguy, no mesmo ano de 1967. Ambos têm alguma semelhança com sambas do grande Ataulpho Alves, cujo estilo é bem perceptível em outro samba de Wilson Fonseca, intitulado de “Tempo Feliz”, composto em 1936.
Quem se der ao trabalho de conhecer melhor as minhas composições do gênero popular, vai encontrar, sem dúvida, nítida influência do Chico Buarque em algumas músicas que fiz durante certo período. Afinal, o elo da corrente musical brasileira passa necessariamente pelo autor da “Banda”.
De samba em samba, e parafraseando Carlos Drummond de Andrade, “o jeito, no momento, é ver a banda passar, cantando coisas de amor”. De fato, “todos que viram a banda passar, e por uns minutos se sentiram melhores. E se o que era doce acabou, depois que a banda passou, que venha outra banda, Chico, e que nunca uma banda como essa deixe de musicalizar a alma da gente” (“Correio da Manhã”, 14.10.1966). Enfim, “Pedro Pedreiro”, na “Roda Viva” e “Apesar de Você”, sempre “Vai Passar”, ao som daquela “Valsinha”, dançada pela “Carolina” ou pela “Januária”, que, embora “Sem Fantasia”, participam desta “Construção”, eternizada na beleza do “Retrato em Preto e Branco”. Ave, Chico Buarque de Hollanda. Que “Deus lhe pague”! É hora de acreditar no “Realejo”.
Para concluir, a “Rapsódia Tapajônica”, de minha autoria:
RAPSÓDIA TAPAJÔNICA
(Bossa Nova)
Música e letra: Vicente José Malheiros da Fonseca
(Santarém-PA, 29.12.1975; e Belém-PA, 24.06.2007)
Tapajós és lindíssimo
Tapajós da pérola
Tapajós puríssimo
Tapajós quimérico
Tapajós autêntico
Tapajós fantástico
Vou cantar na bossa
Tapajós…
No velejo rústico
No caminho aquático
No compasso místico
Neste azul enfático
E o barquinho intrépido
Nestas águas plácidas
Quase mitológicas
Ondas sempre mágicas.
Rio amazônico
Praias tão branquíssimas
Tens riqueza aurífera
Tens história esplêndida
Peixes, que delícia!
Vejo tão atônito
O caboclo incrédulo
Nesse espaço quântico.
Tudo é magnético
Mundo tapajônico
Tudo é rapsódico
Nada econômico
Mas serei brevíssimo
Sei que é tudo música
Sei que é tudo efêmero
Tudo muito lúdico.
Tapajós poético
Cunhantãs exóticas
Boto tão lunático
Faz o jogo mímico
Puxirum frenético
Ninguém fica apático
Dança tão folclórica
No arraial tão lépido
Santarém histórica.
Neste canto épico
Que se faz telúrico
No sambinha empírico
Fico então mais próximo
Quase como cúmplice
Deste rio congênito
(Repetir a 1ª estrofe)
(No final: “Nunca vi praias tão belas…”)
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Canto e Piano (+ percussão).
Execução simulada por computador.
Vídeo:
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