As autênticas e simbólicas expressões do pensamento de um povo, estão na essência das músicas, danças, hábitos, oralidades e pensamentos, em irrefutáveis exteriorizações que permanecem ao longo dos anos. Assim como é o folclore paraense, notável pela sua identidade plural. Sendo inegavelmente repleto de ricas manifestações populares, demonstradas principalmente nas lendas, danças, gastronomia e festas tradicionais, que espelham a cultura amazônica. Os festejos do Sairé ou Çairé são exemplos vivos das peculiaridades léxicas desta representatividade. Muitos questionam o uso da grafia empregada como registro fiel à grandeza das celebrações históricas. A palavra tem origem no idioma Tupi-Guarani, que congrega grande personificação entre o tradicional e a ciência da antropologia remetida à simbologia étnica indígena denominada aos povos Borari, moradores naturais da região de Alter do Chão e adjacências.
Quando entraram em contato com os Jesuítas, estes verbalizavam sua forma de falar, passando a ser transcrita a fala escrita com o Ç no início da palavra, como na época era usado devido a influencia da gramática provençal. Sendo que hoje em dia, a língua Portuguesa não possuiu nenhuma palavra começando pela letra cedilha.
Na grafia atual constante na língua sibilante, interpretada no sinal medial, para transpor a normativa, visando o entendimento gramatical inserida na complexidade fonética. Para ter-se uma compreensão do termo, deve-se reportar ao tempo da época em que ocorreram os primeiros contatos dos dialetos indígenas, das localidades habitadas somente pelos Boraris, juntamente com outros povos originários, até os primeiros contatos com os padres Jesuítas, realizadores das tão propaladas missões.
Os primeiros diálogos interacionistas resultaram na formação estética no conceito do padrão representativo. Para obter com os recursos compostos, a transposição dos envolvimentos orais, absorvidos das influencias do meio. Só após os níveis de aproximação, estarem adiantados em suas funções religiosas. Há de se concluir que mais de trezentos anos decorreram, e a língua Portuguesa era completamente diferente dos dias de hoje. Algo predominante a cultura antropocêntrica, inserido no plano estilístico, assinalando nos escritos pelas ordens gráficas interferidas do espanhol, naturalmente utilizado sem rigor por letramentos historiográficos em meados do século XVII.
O surgimento original, nativo de cunho catequético, está demonstrado no símbolo cristão. Por isso mistura de elementos incluídos na devoção, que os indígenas chamavam Turuiuá em sua nomenclatura, tornando a congregação do escopo padrão festivo proposto. Nesta espécie de cerimônia as mulheres participantes da celebração, disputam separadamente em seguido de ritual teísta, desempenhado pelos moradores com frutas regionais, o qual homens saem para buscar os mastros no lago verde. Tornando o enfático início do Çairé, onde o religioso e o profano se encontram reunindo os dois termos, formando uma das mais belas expressões perfomáticas já existentes, após o hasteamento dos mastros enfeitados.
O vernáculo Çairé significa “Salve o que tu dizes” palavra usada como forma de saudação. A festa que leva o mesmo nome, mistura elementos práticos institucionais em momentos entrelaçados durante todo o período de cinco dias. O símbolo central é um semicírculo de cipó torcido, envolvido por algodão, flores e fitas coloridas. Na parte da frente do semicírculo estão três cruzes e no topo, outra cruz representando o mistério da Santíssima Trindade e da fé inabalável em Deus. Neste arco cristão representa a devoção advinda dos dogmas europeus. fortemente usado como elemento para catequizar.
Calorosos debates são travados para desvendar o segredo que paira a respeito da origem deste nome e qual seria a forma correta a ser divulgada nos textos à fora, diante do complexo entendimento da história pertencente à um longíncuo passado, que chegou até aos dias de hoje. Importante ressaltar que o modo de falar e a gramatica atual, passaram por diversas reformulações e mudanças ao longo dos anos. Sendo então errôneo o pensamento de analisar a semântica, sem buscar o conhecimento de como se dava a comunicação entre as pessoas, na época. Existem pelo menos três explicações direcionadas com base antropológica respeitando as raizes filológicas, com o Tupi-Guarani que era falado em todo território nacional, e não somente na região norte como alguns pensam. Tanto que diversos vernáculos foram incorporados à língua portuguesa como contribuição materna, na construção das estruturas linguísticas, prevalecendo o ç pela sonoridade e derivação (çai e eré ), que significam o ato de saudar.
Na língua portuguesa não temos palavras que iniciam com “ç”, com no ano de 1872. Conhecimento difundido pelo botânico e naturalista mineiro, Joao Barbosa Rodrigues ao escutar o som das falas, dos povos no bairro da aldeia, originários do Nheengatú, referendando que deveria ser grafada com o Ç, assim como seria há 300 anos, quando os padres Jesuítas traçaram os primeiros escritos. Nas transcrições do que era dito e ensinado, eles usavam o ‘ç’ no início de palavras, algo usado normalmente no idioma espanhol provençal. Pois a fonética ao pronunciar certas palavras ficava mais próxima com o som aberto
O cedilha foi criado tendo o som de dois esses, e assim ficou expresso nos manuscritos das correspondências. Tal registro foi ressaltado por Pasquale Cipro Neto, profundo conhecedor da língua Portuguesa, respaldando a forma originária com o cedilha, enfocando a fidelidade à história. Contudo, muito antes no relógio do tempo, ainda no Império, antes da Republica, a palavra passou a ser com “S”. arrebatada pelas reformas. Até a vinda do intelectual João Barbosa Rodrigues, que ao visitar a aldeia dos Nheengatú, no bairro da aldeia na vila de Santarém fez seus registros escritos, baseados nas expressões dos indígenas locais. Após retornar ao sul, concluiu alguns estudos, na sequencia publicou suas análises afirmando que a grafia correta deveria ser com Ç, obtendo a concordância por parte de outros escritores. No entanto o ilustre acadêmico José Veríssimo foi contrário as ideias, rebatendo com veemência, tendo o apoio de outros escritores como Antonio Baena. No entanto prevaleceram as considerações de Barbosa Rodrigues, devido a forte sustentação de seus estudos aprofundados, das vogais abertas com som de esses, saindo vencedor devido aos seus pautados argumentos.
Ou seja, a polêmica é mais antiga do que imaginamos. Algumas décadas depois o assunto parecia estar plenamente aceito e pacificado. Porém ocorreu uma nova reviravolta nos anos noventa, com uma determinação governamental de que por razões comerciais, com o advento da informática globalizada a palavra deveria ser impressa com “S”. Nova polêmica entre os defensores de cada lado, tendo expressas justificativas acaloradas.
Podemos então ao final, afirmar que as duas formas estariam corretas, se enfocarmos categoricamente que ao escrevemos Sairé, estaria de acordo com as atuais regras da ortografia, contudo se escrevermos Çairé desta forma, ratifica um nome único, para ser usado como marketing ou marca de um produto com identidade.
Além disso, existem outros sinônimos e interpretações envolvendo a palavra nativa. Não podemos esquecer que Çairé, grafado desta forma, também é um deus indígena, irmão de Rudá e Caititi. Ambos protegem os enamorados em noite de lua cheia, por trás das nuvens, se escondem, atendendo pedidos dos casais apaixonados. Ele incorpora um ser celestial com poderes especiais para interferir na vida do homem comum, com rotina terrestre. Sendo que ainda tem dois irmãos; Rudá e Caititi. Os três convivem de forma harmoniosa e feliz ao interagirem em nome do amor, quando ajudam casais enamorados que suplicam questões de amor. O compromisso de Rudá pode se assemelhar à figura do cupido, já a interferência de Caititi está no firmamento do compromisso entre os casais. São inegáveis ícones da mitologia Amazônica, que merecem o devido referendo dos deuses oriundos da região encantada, bem como o vasto folclore paraense, motivo de orgulho para todo o Estado do Pará.
A festa homônima de caráter originário unicamente religioso, com o primeiro Çairé registrado, este foi organizado pelo padre João Maria Gorzoni na aldeia dos Tapajós. Posteriormente ocorreu em outras comunidades próximas como São José, Nossa Senhora dos Remédios e Nossa Senhora da Assunção.Havendo manifestações sem continuidade em outras cidades como Óbidos, Alenquer entre outros lugarejos, ficando somente em Alter do Chão.
O evento sempre ocorria no mês de junho, vindo posteriormente a mudar para Setembro. Também por questões de preferências econômicas e políticas, que muito distantes ficaram das razões das raizes colonialistas, dadas na implantação que reune a mistura das tradições mescladas entre a contemplação histórica, aliada as inovações que foram feitas, a cada ano. Como inclusão da lenda do boto, algo inexistente no âmbito original, num processo de “patrimonialização” com alternâncias folclóricas.
Atualmente a festa do Çairé ocorre somente em Alter do Chão-Pa. Belíssimo balneário, adornado por praias paradisíacas, com águas azuladas encontradas no distrito do município de Santarém, distante 37 km do centro.
Passados mais três séculos, a festividade vem sendo desprovida do teor religioso original, para ser acrescida de shows aparelhados, com atrações convidadas, que somam à programação existente como os grupos de danças regionais, a bênção do tacacá, ou a procissão fluvial que exalta a fé e o respeito as raízes folclóricas. No último dia acontecem as ações como a “Varrição da Festa “ além de outras atrações que foram sendo incorporadas aos dias especiais. Inclusive a estrutura montada no local chamado: “ O lago dos botos “. Planejado e idealizado para a disputa entre dois grupos de cunho teatral, que competem no chamado; Festival dos botos, para ver quem ganha o primeiro lugar, após o espetáculo de grande porte turístico.
Os Tucuxi e o boto cor de rosa, que na verdade é vermelho, porém desde que o oceanógrafo francês Jacques Costeau, o chamou assim, para o tom, pois ficou encantado pelo cetáceo rosado, a maioria adotou esta cor. Sendo outro tema bastante discutido entre os puristas dos costumes e de outra matéria em questão. Dando prosseguimento ao tema em si, estes grupos rivais enfrentam-se com espetáculos teatrais à céu aberto. Onde os integrantes encenam a famosa lenda, com efeitos especiais e figurinos específicos para apresentações vistosas, seguindo os ritos que alinham o surreal ostentado por atores, dançarinos, técnicos de som, cenografia enfim, diversos profissionais envolvidos.
Desde 1997 o festival que dura cinco dias, tornou-se um grandioso evento de cultura, visando enaltecer o âmbito turístico na áréa de cultura e fomento, que movimenta consideravelmente a economia local, que estimula no intuito de valorizar as expressões da comunidade, devido ao grande potencial da região.
O enaltecer da arte popular com forte apelo, traduzido por gerações, conduzem consequentemente ao folclore, quando creditam o simbolismo de uma sociedade. O cidadão sente-se representado em suas manifestações nascidas do imaginário popular, desenvolvido através de suas experiências com o seu meio plural. Ratificando vertentes para contribuirem na difusão das identidades, respaldadas pela rica e complexa mitologia amazônica, que fascina de modo indubitável. Seja nos cordões de pássaros ou nas entidades representativas da natureza, entrelaçadas pela antropologia, sociologia, história e outras ciências em que predominam os estudos humanísticos, como apregoava o linguísta Nelson Werneck, quando afirmava a existência artística na palavra, na forma expressa à realidade dos homens, assim como se eterniza o significado existente o vernáculo Çairé, volta-se para o referencial de uma figura divina, com poderes obtidos pelos Deuses amazônicos e de seus habitantes setentrionais. Atualmente o Festival dos botos possui o maior destaque entre as atrações principais. O evento foi ganhando através dos anos, grandes shows pirotécnicos com verdadeiros espetáculos com fantasias ricamente adornadas. Na arena principal, belíssimas alegorias realizam apresentações cênicas, que aliam os elementos tradicionais e religiosos, incorporados ao festival dos botos denominados em duas agremiações; Tucuxi e Cor de rosa, que aguardam ansiosamente para saber quem sairá campeão , após o julgamento dos jurados. A grandiosidade da festa reflete nos vultuosos patrocínios à cultura, como ocorreu no último final de semana, levando um expressivo público ao local. Este ano o boto Tucuxi foi o vencedor da grandiosa competição Cada vez mais a festa do Çairé torna-se motivo de orgulho para Santarém.
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