0

O coronel da reserva do Exército Sebastião Rodrigues de Moura, o tristemente célebre Major Curió, ou  “Dr. Luchini”, foi mais uma vez denunciado pelo Ministério Público Federal, desta feita pelo homicídio qualificado e ocultação do cadáver do camponês Pedro Pereira de Souza, o Pedro Carretel, integrante da guerrilha do Araguaia, movimento de resistência armada à ditadura militar brasileira nos municípios de São Domingos do Araguaia, São Geraldo do Araguaia, Brejo Grande do Araguaia, Palestina do Pará (PA), Xambioá e Araguatins (MT). O assassinato ocorreu no início de 1974, no sudeste do Pará. Na época, Pedro Carretel, ferido em confronto entre os militares e mateiros, já tinha se entregado e era obrigado a trabalhar como guia do Exército nas matas da região. Um grupo chefiado por Curió levou a vítima de uma base militar conhecida como Casa Azul (antiga sede do DNER em Marabá) até uma fazenda em Brejo Grande do Araguaia, e executou o preso a tiros enquanto ele estava sentado e de mãos amarradas. O cadáver foi ocultado e os restos mortais não foram encontrados até hoje.

Sete procuradores da República integrantes da Força Tarefa Araguaia, do MPF –  Adriano Augusto Lanna de Oliveira, Igor Lima Goettenauer de Oliveira, Ivan Cláudio Garcia Marx, Luiz Eduardo Camargo Outeiro Hernandes, Sadi Flores Machado, Tiago Modesto Rabelo e Wilson Rocha Fernandes Assis –   ajuizaram a ação no último dia 9, a décima contra militares por crimes na repressão à guerrilha. São sete denúncias por assassinatos, duas pelo sequestro e cárcere privado de seis vítimas, e uma por falsidade ideológica. Conforme dados oficiais, a repressão à guerrilha do Araguaia foi responsável por quase um terço do número total de desaparecidos políticos no Brasil, na “Operação de informações realizada pela inteligência militar (fevereiro de 1972); Primeira campanha (abril a junho de 1972); Operação Papagaio (setembro de 1972); Operação Sucuri (maio a outubro de 1973); e especialmente durante a terceira e mais sangrenta fase, batizada de Operação Marajoara (outubro de 1973 a 1974), da qual Pedro Carretel foi uma das vítimas, quando houve verdadeiro extermínio dos guerrilheiros.

O próprio Major Curió elaborou documentos acerca da ação das Forças Armadas na Guerrilha do Araguaia e, em 20 de junho de 2009, revelou parte de seus arquivos ao jornal “Estado de São Paulo”, tendo afirmado na ocasião que o Exército executou 41 militantes: “Dos 67 integrantes do movimento de resistência mortos durante o conflito com militares, 41 foram presos, amarrados e executados, quando não ofereciam risco às tropas”.

Em trecho da declaração feita por Sebastião Curió, registrada no livro “Mata!: o Major Curió e as guerrilhas no Araguaia” de Leonencio Nossa (Companhia das Letras. 2012, p. 22-23), confirmadas como verdadeiras por Curió durante audiência na Justiça Federal (Seção do Distrito Federal, em 14 de outubro de 2015), em determinado dia, enquanto estava na “Casa Azul”, Curió recebeu a missão de executar o prisioneiro Pedro Carretel, que estava dentro de um helicóptero na pista, com o grupo militar composto pelo piloto conhecido como “Japonês”; sargento da Aeronáutica “Mozart” e o agente “Ivan”. Transportada nesse helicóptero, a vítima e o grupo militar, acompanhado e chefiado por Curió, foram à Fazenda “Matrichã”, atual fazenda “Rainha do Araguaia”, localizada na região de Brejo Grande do Araguaia. E lá Pedro Carretel chegou com as mãos amarradas e foi em seguida conduzido aos fundos da casa do sítio do posseiro “Manezinho das Duas”. Ato contínuo, Curió ordenou que a vítima se sentasse e, em seguida, disparou tiros em conjunto com outros militares, atingindo Pedro e causando sua morte imediata.

O relato frio e detalhado do “Dr. Luchini” impressiona:

“Em menos de trinta minutos, descemos no sítio do Manezinho das Duas, posseiro que vivia com duas mulheres e servia de guia para o Exército. Era próximo à rodovia PA-70, atual BR-222, em Brejo Grande, a noventa quilômetros de Marabá. Fomos para os fundos da casa do sítio. Agora eles estavam sem algemas e sem venda nos olhos. Eu disse: ‘Sentem’. Sentaram no chão em fileira. Ouvimos um barulho na mata. Provavelmente outra patrulha do Exército, que não deveria estar ali, se aproximava. Houve tentativa de debandada. Foi quando abrimos fogo nos guerrilheiros. Naquele momento atingi Raul no peito. Todos atiraram. Lembro que Carretel recebeu tiros no lado esquerdo da barriga. Não gritaram porque não perceberam o momento em que erguemos as armas”.

O MPF trava um embate jurídico desde 2012 pela responsabilização por atos criminosos cometidos no regime ditatorial, por considerar que representam atos de lesa-humanidade. Alega, com base no direito internacional e em decisão da Corte Interamericana de Direitos Humanos (caso Gomes Lund vs Brasil), que se trata de crimes não alcançados pela prescrição ou anistia.

O processo nº 1003680-10.2021.4.01.3901 tramita na Justiça Federal em Marabá (PA).

Uruá-Tapera

A guerra dos paraenses no Brasileirão

Anterior

Séculos de saber tradicional nas cuias de Santarém

Próximo

Você pode gostar

Mais de Notícias

Comentários