Waldir João Ferreira da Silva Júnior
1 Bacharel em Direito (UNIEURO) e Ciência Politica (UnB), Pós-Graduação em Direito Disciplinar na Administração Pública (UnB), mestrando em Ciência Política (UnB). Analista de Finanças e Controle da Controladoria-Geral da União, atual Corregedor-Geral da União da CGU.
Um tema que tem saído do monopólio das esferas governamentais e corporativas, e ganhado reflexões na academia, é assunto comum ao dia-a-dia: a corrupção. As diferentes formas de abordagem ajudam a compreender melhor o fenômeno, com as clivagens metodológicas próprias, sejam jurídicas, sociológicas, de economia ou ciência política. Mas o importante é que o assunto “corrupção” tem amadurecido para ser mais bem combatido, saindo da pauta das filas de banco, padarias, rodas de boteco e colunas sociais modernas (redes sociais).
A pauta “corrupção” ganha relevância no aspecto social e econômico, com consequências para a legitimidade de processos democráticos, com repercussão no campo internacional, quando a sociedade começa a ter a percepção que a corrupção tem efeitos deletérios na alocação de recursos públicos e sua consequente ineficiência.
Na sociedade contemporânea, há, por parte do Estado, o que se pode chamar de uma tendência à apropriação dos mecanismos sociais de controle. De certa maneira, como bem leciona Michel Foucault, é através dessa apropriação que o Estado passa a exercer sobre o indivíduo um controle de suas ações, empenhando-se na sua correção.
O Estado, conforme as luzes de Norberto Bobbio e Max Weber, é a engrenagem entre governantes e governados, produto da relação política por excelência, em uma simbiose entre quem tem o poder de obrigar com suas decisões e os membros que estão submetidos a elas.
Diante dessa engenharia de poder construída, um ponto nevrálgico se impõe na condução das escolhas públicas (public choice): a valorização da probidade. A questão da transgressão a normas de cunho jurídico-administrativa ganha relevância dentro do próprio aparelho estatal, cujo escopo de atuação é delineado em atos normativos. Todavia, não se trata apenas de as escolhas estarem amparadas por dispositivos legais, mas também de escolhas por mérito: aquila que for melhor para a sociedade será a mais justa.
Desde Aristóteles, na sua seminal obra A Política, tem-se o tema da corrupção como foco de reflexão, entendendo-o o brilhante pensador como a sobreposição dos interesses privados sobre os interesses coletivos, em que os cidadãos buscarão as vantagens privadas em detrimento do bem comum.
Em razão de as motivações da ação humana serem intrínseca aos seus objetivos, e na modernidade a ação é guiada pelos interesses, há necessidade de freios e contrapesos para se limitar os poderes. E a corrupção campeia nessa seara quando os princípios norteadores das ações, não condizentes com as normas delimitadas nos “freios”, são realizados por membros da sociedade, dentre eles os agentes públicos.
A corrupção pública, delimitada quanto ao aspecto da ação pública, representa um desvio dos deveres formais associados a um cargo público, em função de benefícios privados.
Pode-se afirmar que as relações frutíferas de corrupção pelo servidor público seguem a seguinte lógica: o Estado/governo recruta o servidor para fornecer serviços à sociedade ou a si próprio (Estado/governo); o agente público (servidor/governantes) dispõe de discricionariedade sobre os serviços públicos podendo utilizar-se deles ilicitamente, de acordo com a teoria do rent-seeking. No desempenho de suas funções, o servidor traduz para seu benefício ou de terceiros, em razão de uma vantagem em recursos financeiros, materiais ou simbólicos (status).
Basicamente, a corrupção apresenta uma avaliação de custo/benefício, onde, para executar uma fraude, há uma ponderação entre a racionalização (moral), necessidade e oportunidade, bem definido por Donald Cressey como o “Triângulo da Fraude”. Aliada a essa avaliação, vincula-se a probabilidade de ser apanhado na fraude e a efetiva punição civil, administrativa e/ou criminal. Nas esferas públicas, com as dificuldades para punir, tanto pela complexidade probatória quanto aos problemas processuais, o crime (corrupção) se torna atraente.
Hodiernamente a corrupção é entendida, de acordo com Rose-Ackerman, como o resultado da soma das fragilidades existentes entre a intervenção estatal na economia e a alocação política de recursos, da discricionariedade de agentes públicos e a baixa institucionalização política que gera incentivos aos grupos sociais para explorarem o poder público.
Com esse panorama mapeado sobre a corrupção, com suas motivações exploradas à exaustão, onde se inserem a pequena e a grande corrupção? O que diferencia uma e outra? Quais as percepções de opinião pública?
Examinar os atos de corrupção tem uma dificuldade operacional: não se identificam todos os atos ilícitos, apenas aqueles que não frutificaram! Daí que a medição de corrupção é realizada comumente por percepção, fato tormentoso no debate acadêmico. O ponto de referência são os sentimentos que as pessoas têm quanto aos casos identificados, e não os que estão incólumes nas negociações bem sucedidas.
Nessa perspectiva o Estado fica entre escolher ser leniente, sem combater a corrupção, pois se assim agir não serão identificados os desvios e a percepção não aumentará; ou age de ofício, investigando e punindo, assumindo o ônus de se aumentar a percepção de que há mais corrupção, justamente pela maior exposição das mazelas.
Nesse dilema, há uma diferenciação para melhor compreender o problema: a pequena e a grande corrupção, cujo tratamento demanda prescrições diferentes. Não se trata do tamanho do problema, ou da quantidade de pessoas envolvidas, ou do volume de recursos, mas sim do ator responsável pelo ato. Ou seja, da repercussão e ressonância da escolha realizada pelo agente público.
De um lado, a pequena corrupção é vinculada à corrupção administrativa, em que os incentivos e blindagens corporativas de burocratas não disciplinam seu agir aderente às regras e procedimentos. É um custo às transações entre o público e o agente público, em que este aumenta sua renda ao custo de aumento de dispêndios por aqueles que precisam de seus serviços. Nessa situação, os mais afetados são os pobres, em razão da limitação para pagarem suborno e propina aos agentes públicos, e também por serem os mais dependentes dos serviços públicos.
Diga-se que a pequena corrupção, quando internalizada por uma sociedade, acaba fortalecendo o estereótipo da “banalidade da corrupção”, expressão derivada de “a banalidade do mal” de Hannah Arendt, onde a frequência de irregularidades com o trato com o agente público acaba se tornando o padrão em que a sociedade se relaciona com o ente público.
De outro lado, na grande corrupção, o uso do poder do Estado é usado para produzir ganhos econômicos e benefícios políticos, por isso também a grande corrupção é chamada de corrupção política. Quando se privilegiam áreas, com monopólios em setores particulares, onde o capitalismo se desenvolve com personificação, com investimentos em riquezas para aliados políticos ou da família. É o uso privilegiado de poder estabelecido pelas regras políticas da sociedade, e em alguns momentos esse exercício não é ilegal no desenvolvimento da grande corrupção. Floresce onde a decisão tem um grau de arbitrariedade. Um dos frutos da arbitrariedade é o clientelismo, onde a troca de favores tem o amparo legal, mas são formas de cooptação que acabam por ensejar um sistema de exclusão, pois o acesso ao poder é restrito às redes de patronagem. O mais nefasto impacto da grande corrupção é que ela cria incapacidades e injustiças, erodindo a confiança no governo e minando o funcionamento da democracia.
Aqui se percebe claramente que soluções iguais a problemas diferentes serão inócuos, pois a pequena e a grande corrupção dependem de instrumentos diversos, apesar de complementares.
De enfatizar que a percepção da corrupção, por trabalhar com indicadores, não diferencia o combate à pequena ou grande corrupção, e também sobre as diferentes esferas, e acaba não contribuindo para que a boa análise seja realizada.
Quanto à pequena corrupção, todos os governos têm trabalhado, em intensidades diferentes, para combatê-la. Na esfera federal, o fortalecimento de controles internos, sistemas informatizados que deixem a discricionariedade nos mínimos necessários, atuação legal da polícia judiciária e efetividade de punições administrativas, têm reforçado o instrumental de combate à pequena corrupção.
No que tange à grande corrupção, a Lei de Acesso à Informação é um dos novos instrumentos à disposição, com o objetivo de dar transparência às decisões e tornar as decisões dos gestores públicos mais próximas das demandas sociais. Nesse bom combate, uma tarefa hercúlea é a da mudança do agir político, e aqui específico dos agentes políticos, uma vez que 80% do eleitorado não tem confiança nos partidos políticos, conforme dados da Transparência Internacional.
Em suma, nas políticas de combate à corrupção, com mais intensidade na pequena corrupção, a atuação do governo se torna mais efetiva em razão de ser necessária a implementação de políticas de integridade (controles mais efetivos, transparência nas decisões, fortalecimento da ética), enquanto o combate à grande corrupção depende de formas variadas, em razão de envolver Executivo, Legislativo e Judiciário, em diferentes esferas, tornando mais complexa a percepção de que há uma diminuição da corrupção, apesar das inúmeras ações implementadas no sentido de combatê-la em todos os níveis.
O que importa na sociedade é que corruptos e corruptores não são aceitos como partes do cotidiano, não são mais tolerados como um mal necessário. A corrupção é vista como prejudicial ao desenvolvimento, inimiga das políticas públicas e como agente alimentador da exclusão social, tornando imperioso aos órgãos públicos implementar eficientes políticas sancionadoras e de combate à corrupção. A ideia, contudo, não é alcançar a utopia de uma retidão total, mas de aumento de “honestidade”, com políticas eficientes de prevenção, transparência e sanção.
Fonte: Waldir João Ferreira da Silva Jr.
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