A realidade é trágica: as mortes violentas intencionais de crianças e adolescentes de 0 a 19 anos nos municípios da Amazônia Legal têm índice 34,3% superior ao restante do país. Os dados são das Secretarias de Segurança Pública e da Defesa Social de 2021 e foram compilados pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública. A taxa de assassinatos foi de 11,1 a cada 100 mil habitantes em 2021, enquanto no Brasil a média é de 8,7 e, excluindo a Amazônia Legal, 8,3. A categoria Mortes Violentas Intencionais inclui registros de homicídios dolosos, latrocínios, lesões corporais seguidas de morte e mortes decorrentes de intervenções policiais. A Amazônia, onde vivem 16,3% das crianças e adolescentes do Brasil, concentra 20,7% das mortes violentas intencionais dessa faixa etária em todo o país. As violações de direitos infantojuvenis são físicas, psicológicas, sexuais, institucionais e estruturais.
A taxa de estupros de crianças e adolescentes na região é 7,6% superior à do restante do país. A cada 100 mil habitantes de 0 a 19 anos, há 90,9 vítimas desse crime, enquanto a média nacional sem a Amazônia Legal é de 84,5 e de todo o país é 85,5. Do total, 89,2% das crianças e adolescentes vítimas de estupro são meninas. O Acre não foi incluído porque não disponibiliza a informação de idade ou faixa etária da vítima. Um fator que agrava ainda mais é a tentativa de naturalização das violências, atribuindo-as aos modos culturais dos amazônidas. Estupro não é cultura, é crime em qualquer parte do mundo.
Dos 8.514 meninos e meninas com até 19 anos vítimas de estupro na Amazônia Legal, 6.156 tinham de 0 a 13 anos, população considerada vulnerável. Isso equivale a 72,3% do total de estupros nessa faixa etária na região. Ao considerar o total de estupros, os vulneráveis entre 0 e 13 anos são 60,4% das vítimas. O terrível cenário desnuda a ausência estatal e a negligência na garantia efetiva de direitos. Conquistas político-jurídicas como o Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei n. 8.069/1990) e o Estatuto da Juventude (Lei n. 13.652/2013) ainda não foram implementadas.
Lucas Lopes, ponto focal da Coalizão Brasileira pelo Fim da Violência contra Crianças e Adolescentes e membro do grupo coordenador da Agenda 227, enfatiza que os dados demonstram a urgência da reversão desse cenário a partir de políticas públicas efetivas para garantir a proteção integral. “O Brasil vive, hoje, um contexto de múltiplas violências contra as crianças e adolescentes. Na Amazônia Legal, a situação é ainda mais alarmante, demandando políticas públicas que não sejam generalistas e que considerem as especificidades do território. É preciso um compromisso do próximo presidente eleito para garantir, nos primeiros dias de governo, a execução de medidas como a priorização das crianças e adolescentes no orçamento público e recursos exclusivos para a prevenção às violências contra essa população, o fortalecimento das capacidades dos Conselhos de Direitos da Criança e do Adolescente, investir em programas intersetoriais de atenção integral a esses cidadãos em todos os níveis de proteção do Sistema Único de Assistência Social, entre outras. É urgente garantir a vida e o bem-estar de meninas e meninos brasileiros em todos os territórios do país”, salienta.
A Promotora de Justiça coordenadora do Centro de Apoio Operacional da Infância e Juventude do Ministério Público do Estado do Pará, Mônica Freire, acompanha de perto a realidade dos casos de violência, principalmente sexual, contra crianças e adolescentes e aponta as distorções históricas. “Quando os grandes projetos são implementados e executados na área da Amazônia são analisados, principalmente, os impactos ambientais das obras e das iniciativas no local. No entanto, não há um olhar específico para a população infantojuvenil que reside nessas áreas e que é a mais vulnerável à violências e exploração”.
A Agenda 227, movimento plural e apartidário, elaborou e entregou para todos os candidatos à presidência o Plano País, documento com mais de cem propostas de políticas públicas em defesa dos direitos da infância e adolescência. A iniciativa é integrada por mais de 350 entidades da sociedade civil e coordenada pelas organizações Aliança Nacional LGBTI+; ANDI – Comunicação e Direitos; Centro de Referências em Educação Integral; Childhood Brasil; Coalizão Brasileira pelo Fim da Violência contra Crianças; Coalizão pela Socioeducação; Escola de Gente – Comunicação em Inclusão; Fundação Bernard van Leer; Fundação José Luiz Egydio Setúbal; Fundação Maria Cecília Souto Vidigal; Geledés – Instituto da Mulher Negra; Instituto Alana; Instituto Clima e Sociedade (iCS); Instituto Liberta; Instituto Rodrigo Mendes; Rede-In – Rede Brasileira de Inclusão; RNPI – Rede Nacional Primeira Infância; e United Way. Conta também com o apoio do Itaú Social e do Unicef.
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