0

Karina tinha só seis aninhos de idade e vivia em Tomé-Açu. Mas, ao invés dos folguedos da infância, sofreu todos os horrores até ser assassinada por sua madrasta, primeiro enforcada com uma corda, depois com golpes de facão no pescoço e em seguida lançada ao rio Acará-Mirim, em uma saca de serapilheira, usada em transporte de açaí. Gesielem Lopes Mamede, 40 anos, declarou que matou a enteada com tais requintes de perversidade para se vingar do pai da criança, seu companheiro. 

Como Karina, milhares de crianças são vítimas de violência, diariamente, sob as mais variadas formas: trabalho infantil,    espancamentos, torturas, abusos sexuais, tráfico para  retirada de órgãos.  E isso só acontece porque a maioria das pessoas fecha os olhos para essa situação desumana.

No Pará, as beiras de estradas e dos rios são caminhos da perdição para meninos e meninas na mais tenra idade, tangidos pela miséria e desagregação familiar.

No arquipélago do Marajó, onde estão os municípios mais pobres do Brasil, as crianças continuam a deixar a escola para serem submetidas a todo tipo de exploração, e levadas pelas próprias famílias. O bispo emérito Dom José Azcona, a Irmã Henriqueta Cavalcante, coordenadora da Comissão Justiça e Paz da CNBB Norte II, e tantas outras pessoas que fazem trabalho voluntário em favor da infância e da adolescência, como o jovem delegado de polícia Rodrigo  Amorim, de apenas 30 anos, titular de Melgaço, o município com menor IDH do País, sentem o que é dar murro em ponta de faca. Mas, mesmo com as mãos sangrando, a luta continua.

É tanta a premência e tão poucos os recursos! As crianças têm fome. Esta necessidade básica é atroz. Meninos e meninas são abusados inclusive por familiares, vizinhos e amigos, quando não pelos próprios pais ou padrastos. As ocorrências policiais são, na maioria absoluta, crimes de estupro.  No arquipélago, como o próprio nome já anuncia, as comunidades estão espalhadas ao longo dos rios. Mas não há barcos próprios da polícia para fazer diligências, nem dinheiro para barcos alugados. O Grupamento Fluvial tem lanchas que não conseguem entrar em todos os furos e não são suficientes para cobrir todos os municípios ao mesmo tempo.

Tem mais:  há grande subnotificação, pelo medo natural de uma criança denunciar um adulto e pelas dificuldades de provas. Muitas vezes o pedido de prisão preventiva feito pelo delegado é negado pelo juiz. E para onde vai a dignidade desses pequenos seres que não conseguem acesso à cidadania, sequer o respeito ao seu próprio corpo? 

Crianças que têm direito a brincar, tomar banho, vestir roupas limpas, se alimentar e estudar, mas que desde cedo aprendem que é apenas um sonho distante e precisam antes de tudo ter coragem de denunciar o abusador e sede de justiça. Qual é o futuro que o País reserva para esses pequenos, que nasceram e crescem ao desamparo?

Em 2015, segundo dados do Disque 100, foram registradas 17.588 denúncias de violência sexual contra crianças e adolescentes, equivalentes – pasmem! – a duas denúncias por hora. Foram 22.851 vítimas, 70% delas meninas. Entre 2011 e 2014, nasceram 4.021 bebês filhos de mães que foram violentadas antes dos 12 anos. 

A sociedade brasileira tem uma grande tarefa diante de si: promover e consolidar uma cultura de equidade e de respeito aos direitos de todas as crianças para que elas possam crescer livres de violência, como determinam a Convenção sobre os Direitos da Criança e o Estatuto da Criança e do Adolescente.
Temos o dever de romper o silêncio, denunciando situações de violência usando canais como o Disque 100 e o aplicativo Proteja Brasil. 

É inadmissível que a violência continue sendo banalizada. Tolerância zero a todas as formas de violência contra crianças e adolescentes!

As denúncias de abuso ou exploração sexual de crianças e adolescentes podem ser feitas aos Conselhos Tutelares de cada município, às delegacias especializadas, a uma autoridade policial ou ao Disque 100 (Disque Denúncia Nacional).

Para baixar o aplicativo Proteja Brasil, da Unicef, acessem
Franssinete Florenzano
Jornalista e advogada, presidente da Academia Paraense de Jornalismo, membro da Academia Paraense de Letras, do Instituto Histórico e Geográfico do Pará, da Associação Brasileira de Jornalistas de Turismo e do Instituto Histórico e Geográfico do Tapajós, editora geral do portal Uruá-Tapera e consultora da Alepa. Filiada ao Sinjor Pará, à Fenaj e à Fij.

Encantos do rio Caeté na Bragança parauara

Anterior

MPF faz recomendações a Itaituba e Jacareacanga

Próximo

Vocë pode gostar

Comentários

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *