A abortada proposta de um pacote de obras incluindo a construção de usina hidrelétrica no rio Trombetas, em Oriximiná(PA), uma ponte sobre o rio Amazonas em Óbidos(PA) e a extensão da BR-163 (a Santarém/Cuiabá) até a fronteira do Suriname, dentro do projeto Calha Norte, aguça a curiosidade acerca de quem seria o autor da retomada dessa ideia, oficialmente desautorizada pelo presidente da República e que já se mostrou inviável há quarenta anos.
No final da década de 1970, durante a ditadura militar, o projeto foi incluído no planejamento de ocupação da região amazônica. Nos anos 80, a Eletronorte encomendou uma série de pesquisas para a construção da UHE Cachoeira Porteira, no município de Oriximiná, uma área onde vivem milhares de famílias descendentes de escravos fugidos de fazendas de plantações de cacau na região do baixo Amazonas há mais de dois séculos, que encontraram refúgio na floresta, onde refizeram suas vidas e deram origem às 34 comunidades atuais remanescentes de quilombos.
Há cinco referências de povos isolados e, apesar dos registros oficiais indicarem a existência de nove grupos étnicos nesse território, estudos do Instituto de Pesquisa e Formação Indígena em parceria com a FUNAI identificaram 56 diferentes povos ou yannas (sem contabilizar a o povo Zo’é) e 11 línguas.
O estudo resgatou levantamento etno-linguístico publicado em 1958, quando foram registradas 144 tribos indígenas vivendo em mais de cem aldeias na Calha Norte. Novos levantamentos foram feitos com os sobreviventes, e identificadas etnias que até hoje são muito pouco conhecidas: Ahpama, Ahpamano, Aipïpa, Akïyó, Akuriyó, Alakapai, Aparai, Arahasana, Aramaso, Aramayana, Arara, Aturai, Caruma, Farukwoto, Hixkaryana, Inkarïnyana, Kahyana, Kaiku Apërën, Arimisana, Kamarayana, Karapawyana, Karará, Karaxana, Katuwena, Katxuyana, Kukuyana, Manipoyana, Maraso, Mawayana, Murumuruyó, Okomoyana, Opakyana, Osenepohnomo, Wezamohkoto, Patakaiyana, Piayanakoto, Pïrëuyana, Pirixiyana, Pïropë, Ramayana, Sakïta, Tarëpisana, Tiriyó, Tunapeky, Tunayana, Txarumã, Txikiyana, Upuruiyana, Wai-Wai, Wajãpi (do Cuc), Wajãpi (do Molokopote), Waripi, Wayana, Werehpai, Xerew e Xowyana.
É de se lembrar que projetos como esse não podem ser executados sem a consulta livre, prévia e informada aos povos tradicionais que ali habitam.
A Calha Norte é um dos maiores corredores de áreas protegidas de florestal tropical do mundo. Formada por diversas Terras Indígenas, Territórios Quilombolas e Unidades de Conservação, tem aproximadamente 24 milhões de hectares e é maior que os Estados do Rio de Janeiro e Espírito Santo, juntos. Considerada uma das regiões mais conservadas da Amazônia brasileira, além da enorme sociobiodiversidade, é também habitada por comunidades ribeirinhas e agroextrativistas, há gerações.
Para se entender a grandiosidade, a maior unidade de conservação de florestal tropical do mundo está na Calha Norte, que é Estação Grão-Pará (4,2 milhões de hectares) e a maior Unidade de Conservação de Uso Sustentável Floresta Estadual do Paru (3,6 milhões de hectares).
Em 1988, o então presidente da República José Sarney chegou a conceder a outorga de concessão para aproveitamento de energia hidráulica dos rios Trombetas e Mapuera para a Eletronorte, através do Decreto 96.883. Estudos foram realizados a partir de versões anteriores do manual de referências do Ministério de Minas e Energia, mas nunca concluído e nem aprovado o inventário da bacia.
Outro Manual de Inventário Hidroelétrico de Bacias Hidrográficas, publicado em 2007 pelo Ministério de Minas e Energia e que faz parte do Plano Nacional de Energia 2030, do governo federal, estaria sendo ressuscitado agora.
Em fevereiro de 2014, a Empresa de Pesquisa Energética (EPE), órgão do MME, iniciou estudo socioambiental de inventário hidrelétrico na bacia do rio Trombetas, abrangendo o curso principal do rio Trombetas e o baixo curso dos rios Mapuera e Cachorro, nos trechos localizados na Floresta Estadual de Trombetas e na Floresta Estadual de Faro, no município de Oriximiná.
O “Plano Decenal de Expansão de Energia 2022” prevê a construção de 34 hidrelétricas, sendo 15 delas nos rios da Amazônia (86,5% da potência).
Mas antes de tudo é obrigatório o estudo de viabilidade técnica e econômica (EVTE), que inclui estudo de impacto ambiental (EIA) e Relatório de Impacto ao Meio-Ambiente (RIMA), a ser avaliado pelo órgão licenciador ambiental para fins de emissão da licença prévia (LP). E só depois dela e da aprovação do EVTE pela Agência Nacional de Energia Elétrica (ANEEL) o aproveitamento hidrelétrico pode ser leiloado, e então precisará obter as licenças ambientais de instalação e depois de concluída a obra a licença para operação.
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