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“Piedade”, do cineasta pernambucano Cláudio Assis, é um dos melhores filmes brasileiros dos últimos anos e marca a reabertura das sessões regulares no Cine Líbero Luxardo. Escolha certeira e oportuna que traz de volta, com os protocolos necessários, o prazer de assistir filmes em salas de cinema do circuito alternativo. 

O mais recente petardo fílmico de Cláudio Assis revela um lugar fictício para uma série de situações em conflito. Como cenário, um mundo de paisagens paradisíacas e a perpétua luta de classes e interesses escusos na promessa de dias melhores e outras mentiras. 

Se por um lado o ativismo da preservação ambiental dá o grito de guerra na abertura do filme, por outra ótica a especulação predatória do capital é apresentada de forma sedutora, devastando sonhos de coletividade organizada no aceno de uma terra prometida em que a comunidade local supostamente seria beneficiada com as novas leis de mercado. Novos tubarões em novos formatos. 

Com elenco afinado e direção de atores que colocam na tela o melhor de suas performances, assistir “Piedade” é compartilhar a sensação de que realmente o cinema brasileiro é um dos melhores do mundo, pela ousadia, domínio técnico e temático para contar histórias com a nossa cara, nossos calos econômicos de ainda país periférico e o lobo do lobo do homem em cenários solares e tropicais. 

O cinema de Claudio Assis faz parte de uma cena poderosa na cultura nacional contemporânea: o cinema pernambucano e seus realizadores premiados no Brasil e no exterior, como Juliano Dornelles, Kleber Mendonça Filho, Lírio Ferreira, Katia Mesel, Gabriel Mascaro, Guel Arraes, Marcelo Gomes, Heitor Dhalia, Hilton Lacerda e outros. São artistas organizados e bem articulados na captação e produção de filmes que vão além do ufanismo local. São produções locais com visão universal e estilos diferenciados em movimento. Cinema para o mundo.    

Desde o primeiro longa-metragem, “Amarelo Manga” (em 2002, exibido no Cine Doca 1), já se observava uma marca, um jeito ruidoso e cortante de mostrar que nada do que é humano pode ser estranho. “Baixio das Bestas” (2006), teve resistência absurda para ser exibido no Líbero Luxardo com base em argumentos puritanos e total falta de intimidade com as artes. Felizmente, conseguiu ser exibido. 

A opção pelo uso do preto e branco abriu o foco para cinema e poesia em “Febre do Rato” (2011), exibido no Cine Estação das Docas com a presença do cineasta em bate-papo com o público numa das sessões matinais que aconteciam no Teatro Maria Sylvia Nunes. 

“Big Jato” (2016) não teve a mesma sorte de exibição em Belém. Uma pena, pois o filme sai um pouco do estilo vigoroso e violento do cineasta para contar pequenas histórias em situações de subdesenvolvimento. 

“Piedade” já foi lançado em streaming, mas nada tira o brilho de assistir ao filme em tela grande e som digital. Programa de cinema como resistência cultural ao estado das coisas que tomou de assalto o cinema brasileiro, com incêndios criminosos, a volta da censura (ver caso “Marighella”, de Wagner Moura), dirigismo e cortes orçamentários. 

Vá e veja!

José Augusto Pachêco
José Augusto Pachêco é jornalista, crítico de cinema com especialização em Imagem & Sociedade – Estudos sobre Cinema e mestre em Estudos Literários – Cinema e Literatura. Júri do Toró - 1º Festival Audiovisual Universitário de Belém, curadoria do Amazônia Doc e ministrante de palestras e cursos no Sesc Boulevard e Casa das Artes.

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