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Ao longo dos séculos as mulheres tiveram seus direitos negados. Em pleno 2021, a garantia de ser votada ainda é alvo de manobras inescrupulosas para burlar a lei eleitoral, que estabelece cota mínima de 30% para candidaturas femininas. Na capital do Pará, cinco Ações de Impugnação de Mandato Eletivo que tramitam no Tribunal Regional Eleitoral poderão resultar em substituição de sete vereadores por fraude à cota de gênero. Os cinco processos alcançam sete cadeiras na Câmara Municipal de Belém e são contra os partidos Avante (1), PSD (1), PTB (1), Patriotas(2) e PROS (2). A manifestação do Procurador Regional Eleitoral do Ministério Público Federal, Felipe de Moura Palha, é pela procedência das alegações. A relatora é a juíza federal Carina Cátia Bastos de Sena. Se vitoriosas as ações, os votos serão recalculados e deverão assumir o mandato municipal Toré lima (DEM), Wilson Neto (PV), Welington Magalhães (MDB), Eduarda Bonanza (PL), Gisely (PSOL – candidatura coletiva), Cláudia Vinagre (PSDB) e Simone Kahwage (Cidadania). Os vereadores Roni Gás e Túlio das Neves figuram entre os que poderão perder os mandatos.

A ação sustenta que houve lançamento de candidaturas femininas inviáveis de Aline Michelly do Socorro Valcacio Marques (90111), Andreia dos Santos Pinheiro (Nina Luz) (90789), Elinora Corrêa (90602) e Rita de Cássia Serrão Moraes (90242), “sabidamente inaptas” para concorrer ao pleito de 2020, já que não tinham filiação partidária, certidões negativas expedidas pelos 1º e 2º graus do Poder Judiciário e nem certidão de escolaridade. Tampouco foram escolhidas em convenção, não assinaram RRC (Requerimento de Registro de Candidatura), além de foto em desconformidade e condenação criminal transitada em julgado.

O caso é tão escandaloso que Rita de Cássia Serrão Moraes, ao apresentar sua defesa escrita, relatou que jamais se candidatou e foi surpreendida com a notícia de sua candidatura quando recebeu a citação da AIME. Sustentou que não é filiada, foi convidada para disputar vaga de vereadora mas recusou e o PROS lançou a candidatura à sua revelia; garantiu que não assinou ata de convenção e nem pediu registro de candidatura, inclusive protocolou representação criminal na Polícia Federal e na Polícia Civil quando teve conhecimento de que o presidente do PROS Belém, Sidney Gouvêa, usou sua foto e nome indevidamente na campanha, e procurou o TRE-PA.

Diante da gravidade dos fatos, que caracterizam crime eleitoral, foram requeridas diligências para que o PROS-Belém apresente todos os documentos que Rita afirma não ter assinado. Caso o partido apresente e contenha assinatura atribuída a ela, deverá ser providenciada perícia grafotécnica pela Polícia Federal. Também foi requisitado ao delegado de Polícia Civil José Sérvulo Cabral Galvão, da Seccional do Comércio, e ao delegado de Polícia Federal Gideão Ribeiro de Souza, destinatários das ocorrências policiais, informações quanto ao já apurado e documentado nos respectivos inquéritos.

A testemunha Yan José do Nascimento Chaves, em seu depoimento corroborou as denúncias. Afirmou ter ouvido o presidente do PROS, Sidney Gouvêa, dizer que os que seguissem as orientações dele teriam benefícios, os demais não; e que algumas mulheres não tiveram apoio com materiais de campanha porque não estavam próximas ao presidente do partido. Também disse que o pastor Max solicitou em grupo de WhatsApp que as pessoas comparecessem ao escritório para fazer sua defesa; que preferiu não agregar com o PROS novamente porque sabia que o partido estava em modo irregular, que todos os esforços do partido foram direcionados aos candidatos Túlio Neves e Roni Gás, pois o primeiro é filho de deputado e o segundo já estaria na segunda campanha; que algumas candidatas não receberam apoio porque cobravam muito do partido; que a presidente estadual, Joyce Marques, afirmou isso em relação a algumas candidatas; e isso teria acontecido com Ássima de Avelar e Maria Borges, não contempladas com tempo de rádio e TV.

Ássima do Socorro Feio de Avelar declarou que participou das eleições 2020 como candidata pelo PROS; que o partido não lhe entregou material algum; que abriu conta bancária mas o PROS nada depositou, que gravou vídeo para a campanha mas não apareceu no rádio e nem na TV.

Fabrícia Jorgette Lira Ribeiro contou ter sido candidata pelo PROS em 2020; feito jingle para a campanha e panfletos às próprias custas porque não lhe deram material; que recebeu mensagem para mandar o número porque o partido iria fazer os santinhos e só depois percebeu que o número divulgado não era o seu; que eleitores tentaram votar nela mas o número não era o seu e ficou deprimida por conta disso; que abriu conta bancária mas não recebeu qualquer depósito do partido, gravou programa para rádio e TV mas nunca foi veiculado.

Elinora Correa declarou ter sido candidata pelo PROS e de posse da documentação correta fez campanha nas ruas; contudo, às vésperas da eleição foi avisada de que estava impugnada e concorreu sub judice; não recebeu recursos financeiros do PROS e quando conversava com outras candidatas ouvia que nenhuma tinha recebido.

Em seu depoimento, Aline Michelly do Socorro Valcacio Marques relatou que foi candidata pelo PROS, convencida a participar da campanha para trabalhar pelas mulheres, mas descobriu perto das eleições que seu registro fora indeferido por falta de documentação, e nunca recebeu apoio partidário.

Andreia dos Santos Pinheiro contou que não pôde concorrer por problemas na documentação mas só soube que teve seu registro indeferido dois dias antes da eleições, informada pelo contador do partido; que os problemas eram a foto e uma certidão não juntadas: a foto que consta do autos do pedido de registro da candidata Rita de Cássia é sua e foi usada sem que soubesse disso. Também abriu conta específica mas nenhum dinheiro foi depositado pelo partido.

Ao se manifestar nos autos, o procurador da República Felipe de Moura Palha abordou com ênfase a importância da representatividade política das mulheres no Brasil. Historiou que somente em 1932 mulheres conquistaram direito a voto e apenas na década de 90 a lei estabeleceu cotas eleitorais de gênero, a primeira vez no art. 11, § 3°, da Lei 9.100/95 (apenas para a realização das eleições municipais de 1996) e, posteriormente, foi inserido na Lei 9.504/1997 (para todas as eleições), como forma de reduzir a crônica desigualdade entre homens e mulheres na política. E salientou o fato de que, embora a maioria do eleitorado brasileiro seja composto por mulheres, 52,49% do total, segundo dados do TSE, o Brasil é um dos países com menos mulheres no parlamento. De acordo com o IBGE, no cenário internacional o Brasil ocupava em dezembro de 2020 a 142ª posição entre os 190 países que informaram o percentual. Foi o pior resultado entre os países sul-americanos.

“Adequar, portanto, a participação feminina nas Casas Legislativas, proporcional à sua presença já majoritária na população brasileira e à relevância dos papéis desempenhados nos âmbitos econômico e social, é essencial para superar outros entraves à igualdade de gênero. Temas como violência contra a mulher, misoginia, inserção e igualdade no mercado de trabalho, garantia de direitos reprodutivos, entre outros, não podem ser adequadamente discutidos sem a presença de mulheres no parlamento. Assim, a cota de gênero, prevista no §3° do artigo 10 da Lei 9.504/1997, foi instituída como uma ação afirmativa importante: uma ferramenta de discriminação positiva para contornar o problema da subrepresentação (e consequente subcidadania) das mulheres nas Casas Legiferantes. É esperada a correção da hegemonia masculina nas posições de tomada de decisão e o estabelecimento de uma distribuição mais adequada e equilibrada das representações de homens e mulheres nas esferas de poder. A participação política em condições reais de igualdade é imprescindível ao empoderamento das mulheres e sua afirmação como cidadãs e verdadeiros sujeitos de direito”, frisou o Procurador Regional Eleitoral.

O MP Eleitoral enfatizou que, “em decorrência dessas constatações e considerando que a falta de recursos foi uma das razões identificadas para a pouca efetividade das cotas de gênero é que o STF julgou procedente uma Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI n° 5.617/DF) e interpretou o art. 9º da Lei 13.165/2015 (que restringia indevidamente, ao máximo de 15%, a possibilidade de reserva de montante do Fundo Partidário para aplicação em campanhas de candidatas mulheres) e determinou a equiparação do patamar legal mínimo de candidaturas femininas (hoje o do art. 10, § 3º, da Lei 9.504/1997, isto é, ao menos 30% de cidadãs), ao mínimo de recursos do Fundo Partidário a lhes serem destinados, que deve ser interpretado como também de 30% do montante do fundo alocado a cada partido, para eleições majoritárias e proporcionais, observando o princípio da igualdade.”

No entendimento do PRE, equiparar o mínimo legal de vagas ao mínimo de valores do Fundo Partidário garantirá efetividade ao regime de cotas eleitorais de gênero, na medida em que funcionará como barreira ao frequente falseamento de candidaturas femininas, sem apoio concreto do partido, meramente para cumprir a exigência legal. Ademais, para o pleito de 2020, o TSE impôs aos partidos políticos o percentual mínimo de 30% para as candidaturas gênero feminino no espaço de rádio e televisão, deliberação fruto da Consulta TSE 0600252-18.2018 e inserida na Resolução TSE 23.610/2019, artigo 77.

Realçando que a real equidade de gênero na política, que dê materialidade ao direito fundamental à igualdade substantiva entre homens e mulheres, representa, a um só tempo, objetivo a ser alcançado e meio essencial para assegurar que a definição das ações e prioridades do Estado brasileiro contemple perspectivas e necessidades da população feminina, o Procurador Regional Eleitoral Felipe de Moura Palha acentuou que tal regra preconiza não apenas a reserva de vagas, mas o efetivo preenchimento do percentual das candidaturas apresentadas pelos partidos, com o que se busca evitar situações que, em burla ao comando, retiram eficácia aos seus termos. Nesse sentido, a Resolução TSE no 23.609/2019, no art. 17 §4º, estabelece que “O cálculo dos percentuais de candidatos para cada gênero terá como base o número de candidaturas efetivamente requeridas pelo partido político, com a devida autorização do candidato ou candidata, e deverá ser observado nos casos de vagas remanescentes ou de substituição”.

Assim, o atendimento da cota de gênero na proporção mínima de 30% deve ser observado em todos os momentos do registro de candidatura. E não basta o registro de meras candidaturas formais (fictícias) de mulheres pelos partidos e coligações, mas, sim, de candidaturas materiais (reais), de mulheres que efetivamente tenham interesse e suporte dos partidos e coligações para participarem da disputa eleitoral como candidatas de fato, e não apenas de direito. A inobservância de tais pressupostos caracteriza fraude e pode ser objeto tanto de Ação de Investigação Judicial Eleitoral (art. 22 da LC 64/90) quanto Ação de Impugnação de Mandato Eletivo (art. 14, § 10 da Constituição Federal).

Nas eleições de 2020 o PTB apresentou inicialmente à Justiça Eleitoral quinze candidaturas, sendo dez do gênero masculino e cinco do gênero feminino, representando, respectivamente, 66,67% e 33,33% do quantitativo total. O juízo indeferiu os pedidos de Antonio Maria de Souza Oliveira e de Rosalice Marques das Mercês. Assim, remanesceram nove candidatos e quatro candidatas, na razão de 69,23% do gênero masculino, para 30,76% do gênero feminino, arredondados para números inteiros no cálculo do percentual mínimo. Em razão desses indeferimentos, a agremiação apresentou as candidaturas de Anderson Souza, em substituição a Antônio Oliveira, e de Anabel Cristina de Castro Penafort, no lugar de Rosalice das Mercês. Acontece que a candidatura masculina substitutiva foi deferida pelo Juízo Eleitoral, mas a reposição da candidatura do gênero feminino foi indeferida. Assim, restaram dez candidatos homens e apenas quatro mulheres, sendo de 71,42% do gênero masculino e 28,57% do gênero feminino, não tendo sido cumprida a cota mínima de 30%, o que foi, inclusive, reconhecido na sentença em primeiro grau.

Felipe de Moura Palha assinalou que a jurisprudência do TSE já pacificou o entendimento de que os percentuais de gênero devem ser observados em todos os momentos do registro de candidatura, tanto no momento do registro da candidatura, quanto em eventual preenchimento de vagas remanescentes ou na substituição de candidatos, o que não ocorreu no caso. O partido é o único responsável por postular registro e os registros individuais dos filiados perante a Justiça Eleitoral e, em consequência, é responsável também pelo atendimento da cota gênero, consoante entendeu o TRE-PA em caso análogo, nas eleições de 2016.

Em seu parecer, o MP Eleitoral mostrou que, ao contrário do consignado na sentença exarada na Zona Eleitoral, não existe a exigência de prévia intimação do partido político para sanar eventual falha, pois o DRAP (Demonstrativo de Regularidade de Atos Partidários) já havia sido julgado. E o §6º do art. 17 da Resolução TSE nº 23.609/2019 prevê a prévia intimação do partido político para sanar eventual falha na fase postulatória do DRAP, e não em momento subsequente. Além do que o próprio CANDex, Sistema de Registro de Candidatura, notifica o partido político no momento da geração das mídias quanto aos percentuais mínimos e máximos de cada gênero. Mais: duas candidatas eram sabidamente inaptas, uma vez que Rosalice Marques não tinha condição de elegibilidade, por sua condenação por “contas não prestadas no pleito de 2018”, e Anabel Panafort não apresentou certidão de quitação eleitoral, filiação partidária e comprovante de desincompatibilização.

Ademais, é entendimento pacífico do TSE que, sendo eventualmente impossível o registro de candidaturas femininas no percentual mínimo de 30%, o partido/coligação deverá reduzir o número de candidatos masculinos. “Inarredável, desde logo, a conclusão pela ocorrência de fraude”, concluiu o PRE, alinhando, de forma didática, que no caso, estão provados nos autos: incontroverso descumprimento à cota de gênero; apresentação do DRAP com candidata sabidamente inapta e pedido de substituição por candidata que não apresentou documentos essenciais ao registro de candidatura. Tais provas são capazes de atestar que ocorreu fraude na inscrição de candidatas femininas, com manipulação da composição da cota na eleição do Município de Belém, atinente à apresentação de pedidos de registro simulados no DRAP do PTB.

Na sentença, o juízo singular considerou que as partes autoras não provaram o fato constitutivo da alegada irregularidade, que não há nos autos elementos para a verificação quanto à observância, ou não, da distribuição adequada do tempo de propaganda eleitoral, no rádio e na TV, das candidatas do PTB ao cargo de vereador de Belém em 2020, e que há comprovação de realização de propaganda eleitoral pelas candidatas. Mas essa comprovação foi em mídia pessoal das candidatas, por isso não isenta de responsabilização o partido, vez que a reservado do percentual mínimo de 30% tem que ser em propaganda eleitoral gratuita no rádio e na TV. E nos autos não há registro de despesas com produtora ou produção de material para ser difundido no horário eleitoral gratuito. Além do mais, os partidos denunciados alegaram, em um primeiro momento, que “os espaços em mídia digital, rádio e televisão foram apropriadamente ofertados as candidatas do sexo feminino, conforme mídia anexas”, e em outra ocasião que o MDB – Belém teria “doado espaço em rádio e televisão”, atraindo para si o ônus da prova. Contudo, juntaram ao processo só dois vídeos que aparentam ter sido veiculados na TV, de tão somente duas das suas quatro candidatas, Daise Farias de Sousa e Irailde Neves Ferreira Guedes.

Se a corte eleitoral endossar o entendimento do MPE e julgar procedente o recurso eleitoral, a consequência será a cassação dos registros – inclusive diplomas – de todos os candidatos dos partidos denunciados, eleitos e não eleitos, bem como a anulação de todos os votos por eles obtidos, devendo ser refeito o cálculo de quociente eleitoral e empossados os novos vereadores de Belém.

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