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Deu vontade de escrever. Na Globo News, um documentário em que Maria Bethânia homenageia a Língua Portuguesa, recebendo escritores de Angola, recitando portugueses, brasileiros, cantando algumas. É tão rico, é tão lindo e me sinto triste pelo contraste com a realidade, há alguns minutos exposta no Fantástico. Onde nos perdemos? A música que ouço não é mais a música que a maioria ouve. Os versos são primários. Embora tenha havido algum progresso, continuamos a ler pouco, principalmente nossos escritores. Batráquios recebem medalhas da Biblioteca Nacional, enquanto escritores que seriam homenageados, recusam participar. Penso se não me reconheço mais no país em que vivo. Nossa Educação caiu a níveis ridículos e o resultado mostra várias gerações sem opinião, argumento, reflexão. Médicos, engenheiros, advogados, técnicos e principalmente, brasileiros empregados em atividades sem carteira profissional. Alguns são brilhantes em seus ofícios, mas não suportam qualquer debate sobre a vida, o mundo, política e principalmente, Cultura. Estive com dois outros queridos escritores participando do Arte da Palavra, promovido pelo SESC em Castanhal e no dia seguinte, em Belém. A todos precisamos nos apresentar como escritores. Os poucos presentes nunca leram nada que escrevemos. Há poucas perguntas. Há amigos, convidados, que se esforçam e fazem indagações, tentando provocar os outros. 

No Teatro, alguém consegue chamadas na TV local e no entanto, há poucas pessoas na plateia. Sou de outro tempo. Quando estreei como autor, através do Grupo Experiência, foi no Teatro da Paz, quase lotado. Capacidade total em “Convite de Casamento”. Sessões extras em outras. Como escritor, juntei-me a um grupo para realizar a FLiPa, nos contrapondo à farsa que era a Feira Literária promovida pela Secult. Agora, porque as pessoas nos cargos públicos passam e ficam os artistas, serei homenageado ao lado da querida Dona Onete. A FLiPa teve umas quatro edições, creio, antes que tudo parasse por conta da pandemia. Mas continuamos a não ser encontrados nas maiores livrarias da cidade, redes nacionais. Viva a Fox. 

Pesquisando sobre meu avô, li as revistas dos anos 20, 30 e 40, semanais, publicadas em Belém. Entre os articulistas, Bruno de Menezes, Max Martins, Stelio Maroja, Edgar  Proença, Geraldo  Palmeira, Dalcídio Jurandir, Adalcinda Camarão, Líbero Luxardo e Ruy Barata. Que turma, hein? Quem dos jovens já leu alguma coisa deles? E das coisas que escrevemos agora? Estudantes de Letras não nos conhecem. Somos invisíveis. Mas há jovens escritores pedindo passagem, como Isadora Salazar e Marcos Samuel, com os quais estive no Arte da Palavra. Li há pouco o livro de Ernesto Boulhosa sobre o Marajó. Fiquei emocionado e devastado porque os jovens não vão tomar conhecimento. Estudantes da Escola de Teatro da UFPA não assistem ao nosso Teatro. Estamos reunindo e logo surgirá uma Associação para lutar pelos interesses de atores, autores, diretores, técnicos, enfim. 

Agora veio a notícia do brutal decréscimo de leitura de jornais. Onde nos perdemos? Estamos mergulhados e mergulhando em um poço profundo e escuro. O poço da ignorância. A linguagem hoje é chula. As imagens, paupérrimas. Os shows não são mais para ouvir e sim para pular, gritar, beber e voltar para casa acabados. Estive pela Secult em Parauapebas e é preciso chegar lá para entender o tamanho do Estado e a distância para Belém. Somente a Educação e a Cultura para unir o Pará. Para unir o Brasil. Ainda estou muito novo para achar que meu tempo acabou. Que não me identifico mais com a cena cultural. 

Há iniciativas interessantes por parte de particulares, em sebos, casinhas literárias e associações. Torço para frutificarem. Os grupos de teatro apresentam-se em casas ou em bares. Ensaios duram três meses, em salas, e os teatros locais, além de cobrar caro, reservam apenas três dias para apresentação. Como formar público, como trabalhar o que foi ensaiado, sendo o teatro algo vivo, mágica que se manifesta ali, diante do público, sobreviver? E do outro lado, onde está a geração formada lendo, ouvindo, assistindo livros, discos, teatro e outros? Turma que comparecia às noites de autógrafo, peças e shows? Está ligada em Pantanal, jogo de futebol, afundada no sofá com preguiça, após chegar em casa após um dia de trabalho? Há um pequeníssimo público ainda a nos acompanhar. Mas isso é gueto e eu não quero, não sou do gueto. Como qualquer artista, quero ser visto, lido, assistido, comentado. Meu primeiro público é de Belém, do Pará inteiro. Não interessa se consegui publicar fora e sim que aqui na minha terra, sou igual a qualquer outro escritor e autor teatral, querendo que minha obra seja consumida.

Onde nos perdemos? Onde nos desavimos? Será que o Pará deu as costas aos seus grandes escritores, autores teatrais, músicos, fotógrafos, artistas plásticos, sei lá que mais? Perdemos a importância, somos desinteressantes, chatos? Seguimos todos no bom combate. Nascemos para isso e pronto. Mas tive vontade de escrever e perguntar a todos, achando que nem resposta terei. A terra do já teve?

Edyr Augusto Proença
Paraense, escritor, começou a escrever aos 16 anos. Escreveu livros de poesia, teatro, crônicas, contos e romances, estes últimos, lançados nacionalmente pela Editora Boitempo e na França, pela Editions Asphalte.

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