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Amanhã,
às 11h, no auditório da OAB em Brasília, será entregue oficialmente o relatório
da Comissão Nacional da Verdade. Já se sabe que serão apresentadas 29
recomendações, entre elas a de que todos os nomes de obras públicas do País que
sejam de pessoas ligadas à tortura e aos desaparecimentos durante a ditadura,
além dos presidentes da República militares, devem ser alterados. Outra, no
sentido da alteração dos currículos das academias militares e extinção da
justiça militar em cada Estado da Federação.
Mas
a mais polêmica sem dúvida é a de que os agentes do regime que participaram de
tortura respondam judicialmente por seus crimes, o que entra em choque com a Lei
da Anistia mas encontra eco no que vem sendo defendido há anos pelo Ministério
Público Federal do Pará.
Das três ações penais movidas no Brasil pelo
Ministério Público Federal contra militares envolvidos em crimes contra a
Humanidade e graves violações a direitos humanos durante a violenta repressão à
guerrilha do Araguaia, duas tramitam no Pará e os denunciados são Sebastião
Curió e Lício Augusto Maciel.
Lício
Augusto Maciel é Major da reserva e usava na época o codinome “Doutor Asdrúbal”.
Sebastião Curió Rodrigues de Moura, o Major Curió, coronel da reserva do
Exército, é tido como o líder do extermínio na Guerrilha do Araguaia.
Curió
é personagem emblemático da ditadura militar e o único capaz de identificar o
local onde os corpos dos militantes do PC do B capturados na guerrilha do
Araguaia foram enterrados. Ele se recusou a depor perante a Comissão Nacional
da Verdade. Na região onde Curió atuou, especialmente nos municípios de São
Domingos do Araguaia, São Geraldo do Araguaia, Brejo Grande do Araguaia,
Palestina do Pará, Xambioá(TO) e Araguatins(TO), as Forças Armadas organizaram
ações de repressão que foram verdadeiro massacre. Não há notícia de um só militante
que, preso durante a chamada Operação Marajoara, tenha sido encontrado vivo.
No
território parauara, cerca de 350 pessoas foram executadas na região, na
primeira metade da década de 1970. A antiga ‘Casa Azul’, em Marabá, foi um dos centros
de prisões, torturas e assassinatos de presos políticos.
Em
setembro deste ano, o MPF-PA recorreu ao Superior Tribunal de Justiça e ao Supremo
Tribunal Federal a fim de manter a ação penal contra o Major Curió, que
conseguiu habeas corpus do Tribunal Regional Federal da 1ª Região. Curió é
acusado de sequestrar e manter em cárcere privado cinco militantes, até hoje
desaparecidos, durante a repressão à guerrilha do Araguaia, na década de 1970.
No início de 2014, a Procuradoria Regional da República da 1ª Região já havia
recorrido ao TRF1 da decisão, alegando que o acórdão deixou de considerar
precedentes do STF sobre a não aplicação da Lei de Anistia aos casos de
sequestro e cárcere privado. Mas o tribunal rejeitou os embargos de declaração.
A PRR1 pede, atualmente, em recurso especial e em outro extraordinário, que o
caso seja analisado pelo STJ e pelo STF.
A
questão é que, embora tenham se passado mais de trinta anos do crime, as
vítimas até hoje não apareceram, e nem os corpos, o que impede que seja sequer cogitada
hipótese de homicídio. Trata-se – inclusive nos termos da jurisprudência do STF
– de crime de sequestro, delito permanente, razão pela qual não há que se falar
em prescrição.
Em
dois casos de extradição de militares ligados a ditaduras latino-americanas, o
STF decidiu que a extradição deveria acontecer por se tratarem de casos de
desaparecimento forçado, que o direito internacional considera como violações
graves de direitos humanos sobre as quais não se aplica anistia ou nenhuma
disposição análoga, seja prescrição, irretroatividade da lei penal, coisa
julgada ou qualquer excludente similar.
É
por isso que os procuradores da República defendem que a decisão deve ser
reformada, no que tange aos delitos considerados prescritos e abrangidos pela
Lei da Anistia, já que a anistia e a prescrição, ainda que aplicáveis fossem ao
caso, não podem ser aplicadas, nem mesmo em tese, a crimes que, por sua
natureza de delitos contra a Humanidade, praticados por agentes de Estado
durante regimes de exceção, são imprescritíveis e insuscetíveis de auto-anistia,
isto com base na Convenção Americana sobre Direitos Humanos, da qual o Brasil é
signatário, e que estabelece a obrigação da persecução criminal dos fatos
relacionados à guerrilha do Araguaia.
Especialmente
nos casos de sequestro, além da perpetração de sevícias às vítimas para obter
informação sobre o paradeiro dos demais dissidentes (tortura), seguiram-se atos
de ocultação das condutas anteriores visando assegurar a impunidade e manter o
sigilo sobre as violações a direitos humanos. Ou seja, ao sequestro clandestino
segue a negativa estatal de sua própria ocorrência
”, relatam na denúncia os
procuradores da República Tiago Modesto Rabelo, André Casagrande Raupp, Melina
Alves Tostes e Luana Vargas Macedo, de Marabá; Ubiratan Cazetta e Felício
Pontes Jr., de Belém; Ivan Cláudio Marx, de Uruguaiana; Andrey Borges de
Mendonça, de Santos; e Sergio Gardenghi Suiama e Marlon Alberto Weichert, de
São Paulo.
Tanto
que a juíza federal Solange Salgado, em sentença em fins de 2007, determinou à
União localizar, identificar e esclarecer em que condições ocorreram os
desaparecimentos e mortes. Foi quando o governo federal, para cumprir a decisão
judicial, criou o Grupo de Trabalho Tocantins (GTT), do Ministério da Defesa
que, entre 2009 e 2010, percorreu a região realizando diversas escavações, com
resultados pífios. Em dois anos, uma só ossada foi localizada, na região do
Tabocão, em Brejo Grande do Araguaia (PA).
Depois
foi criado o Grupo de Trabalho Araguaia, que entre 2011 e 2012 exumou 14
ossadas, nos cemitérios de Xambioá (TO) e São Geraldo do Araguaia (PA) e há
expectativa de que sejam encontrados outros tantos desaparecidos políticos num
dos mais importantes sítios mortuários de Marabá (PA), inclusive indicados por
antigos colaboradores da repressão.
Os
testemunhos que constam no relatório da Comissão Nacional da Verdade – que absorveu
o relatório da Fenaj e do Sindicato dos Jornalistas do Pará-  expõem o horror de um ciclo da História do
Brasil na qual o Pará teve papel relevante, e que precisa ser documentado, e as
investigações têm que continuar. Ainda há muito o que desvendar.
A
Comissão Estadual da Verdade do Pará vai discutir, na próxima reunião, o teor
do relatório da Comissão Nacional da Verdade e que providências deve tomar para
implantar as decisões. Se assim decidido, listará as escolas, bancos,
presídios, praças e demais logradouros que se enquadrem na situação descrita
pela CNV, podendo oferecer através do deputado Carlos Bordalo, que é membro da
Comissão, projeto de lei alterando os nomes.

existe uma lista, levantada pelo historiador João Lúcio Mazzini, membro titular
da Comissão da Verdade do Pará, com mais de trezentos nomes de pessoas,
assuntos e prontuários até 1968, obtidos junto ao Arquivo Nacional, na
representação regional de Brasília, além das conclusões da Comissão de
Inquérito Sumário que cassou o ex-governador Aurélio do Carmo e os outros incriminados
em junho de 1964.
Na
oitiva de Aurélio do Carmo pela Comissão Estadual da Verdade, questionado
acerca de quem era titular do Departamento de Ordem Política e Social(DOPS) e
das informações sobre políticos, jornalistas, advogados, artistas, servidores
públicos e trabalhadores em geral, ele disse que foi delegado mas, enquanto
exerceu a função, nunca abriu o prontuário de dezenas de pessoas que estavam
ali registradas. Especula-se que o material tenha servido para a formação das
fichas da temida Segunda Seção do Estado-Maior do Exército, pois ninguém sabe –
ou não quer informar – onde está o acervo do DOPS.
Uma
das dificuldades encontradas pela Comissão é relativa à questão indígena. Nas oitivas
deverão ser convidados também servidores estaduais que tinham cargo de
confiança e os de carreira atingidos pelo regime de exceção. A Comissão
pretende, ainda, apresentar ao governador Simão Jatene um relatório do que já está
feito neste curto espaço de tempo de funcionamento da Comissão, instalada em 1º
de setembro de 2014.

Integram
a Comissão Estadual da Verdade do Pará
Egydio Salles(OAB-PA), presidente; João Lúcio
Mazzini da Costa(Arquivo Público), Marco Apollo Leão(SDDH), Paulo Fonteles
Filho (Comitê Paraense pela Verdade, Memória e Justiça), Renato Marques
Neto(Sejudh), Ana Michelle Gonçalves Zagalo(Segup), deputado Carlos Bordalo
(Alepa), Franssinete Florenzano (Sinjor-PA) e Jureuda Duarte Guerra (Conselho
Regional de Psicologia-PA/AP). É a única Comissão Estadual da Verdade em todo o País a ter entre seus membros titulares uma jornalista, representando o Sindicato da categoria.
Franssinete Florenzano
Jornalista e advogada, presidente da Academia Paraense de Jornalismo, membro da Academia Paraense de Letras, do Instituto Histórico e Geográfico do Pará, da Associação Brasileira de Jornalistas de Turismo e do Instituto Histórico e Geográfico do Tapajós, editora geral do portal Uruá-Tapera e consultora da Alepa. Filiada ao Sinjor Pará, à Fenaj e à Fij.

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