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A violência contra a mulher atinge patamares aterrorizantes no Brasil. O caso do promotor de justiça Alexandre Couto Joppert é emblemático. Ele foi afastado temporariamente da banca examinadora de um concurso para o Ministério Público do Estado do Rio de Janeiro e responderá a um PAD – Processo Administrativo Disciplinar. Ao narrar caso hipotético de estupro coletivo durante uma prova oral anteontem, 22, o promotor disse que o criminoso que praticou a conjunção carnal “ficou com a melhor parte, dependendo da vítima”. 


A afirmação foi gravada. Vejam só as palavras empregadas, com requinte de perversidade, porque ainda alude às prováveis características da vítima, deixando à conta da imaginação de cada concurseiro: “Um segura, outro aponta a arma, outro guarnece a porta da casa, outro mantém a conjunção – ficou com a melhor parte, dependendo da vítima – mantém a conjunção carnal e o outro fica com o carro ligado pra assegurar a fuga”. 


Como se percebe, a narrativa do promotor nada fica a dever ao criminoso que divulgou o estupro coletivo em redes sociais. A revolta é multiplicada porque tal ignomínia parte de um representante do MP, examinador de Direito Penal, autor de livros jurídicos, que atua na assessoria de atribuição originária em matéria criminal, setor subordinado à Subprocuradoria-Geral de Justiça de Assuntos Institucionais e Judiciais do Rio, que deveria ser um guardião dos direitos humanos e de cidadania.

O promotor divulgou nota na qual afirma – vejam só! – ter sido mal interpretado. “Ao me referir ao fato do executor do ato sexual coercitivo ter ficado com a melhor parte” estava tratando da “opinião hipotética do próprio praticante daquele odioso crime contra a dignidade sexual”. Segundo ele, da mesma forma que para o corrupto a melhor parte do crime de corrupção é “o recebimento da propina”, para um estelionatário a melhor parte de seu crime é a “obtenção da indevida vantagem”, para o praticante de estupro “a satisfação coercitiva da lascívia é o desiderato odiosamente perseguido”. 

Recentemente, a Primeira Turma do Supremo Tribunal Federal, acerca da reiterada conduta do deputado federal Jair Bolsonaro (PSC-RJ) de incitação ao crime de estupro e injúria, recebeu denúncia (Inquérito 3932) oferecida pelo Ministério Público Federal e queixa-crime (Petição 5243) apresentada pela deputada federal Maria do Rosário (PT-RS), com o que passará à condição de réu perante a Corte.  Em dezembro de 2014, durante discurso no Plenário da Câmara dos Deputados, Bolsonaro disse da tribuna que a deputada “não merecia ser estuprada”. No dia seguinte, em entrevista ao jornal Zero Hora, reafirmou as declarações, dizendo que Maria do Rosário “é muito feia, não faz meu gênero, jamais a estupraria”. 

O relator, ministro Luiz Fux, entendeu que as declarações de Bolsonaro não têm relação com o exercício do mandato, portanto não incide a imunidade prevista na Constituição Federal. Apesar de o Supremo ter entendimento sobre a impossibilidade de responsabilização do parlamentar quanto às palavras proferidas na Câmara dos Deputados, as declarações foram veiculadas também na imprensa, com o que não há o que falar em imunidade, que foi instituída a fim de proteger os parlamentares quando da manifestação acerca de fatos sob o debate público e sob investigação do Congresso Nacional ou da Justiça, ou, ainda, sobre qualquer tema relacionado a setores da sociedade, do eleitorado, organizações ou grupos representados no Parlamento ou com a pretensão à representação democrática. 

“As palavras do parlamentar podem ser interpretadas com o sentido de que uma mulher não merece ser estuprada quando é feia ou não faz o gênero do estuprador. Nesse sentido, dá a entender que o homem estaria em posição de avaliar qual mulher poderia e mereceria ser estuprada”, ressaltou o ministro, aduzindo  que tal declaração menospreza a dignidade da mulher.
Nota 10 para o ministro!



“Ao menos em tese, a manifestação teve o potencial de incitar outros homens a expor as mulheres à fragilidade, à violência física e psicológica, à ridicularização, inclusive à prática de crimes contra a honra da vítima e das mulheres em geral”, afirmou o ministro Fux, com grande propriedade, completando que “não se pode subestimar os efeitos dos discursos que reproduzem um rebaixamento da dignidade da mulher e que podem gerar perigosas consequências sobre a forma como muitos irão considerar essa hedionda prática criminosa, que é o crime de estupro, podendo efetivamente encorajar a sua prática”.  


Acompanharam o voto do relator os ministros Edson Fachin, Rosa Weber e Luís Roberto Barroso. Ficou vencido o ministro Marco Aurélio. Viva o STF!
Franssinete Florenzano
Jornalista e advogada, presidente da Academia Paraense de Jornalismo, membro da Academia Paraense de Letras, do Instituto Histórico e Geográfico do Pará, da Associação Brasileira de Jornalistas de Turismo e do Instituto Histórico e Geográfico do Tapajós, editora geral do portal Uruá-Tapera e consultora da Alepa. Filiada ao Sinjor Pará, à Fenaj e à Fij.

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