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Era por volta de meio-dia, na quinta-feira passada (7), quando o núncio apostólico no Brasil, Dom Giambattista Diquattro, telefonou para o bispo emérito do Marajó, Dom José Luis Azcona Hermoso. O conteúdo da conversa, assombroso: por decisão da Congregação dos Bispos, sediada no Vaticano, o religioso de 83 anos deveria deixar o arquipélago do Marajó. Atônito, Dom Azcona perguntou se receberia documento nesse sentido. O núncio disse que sim. Mas até agora nada foi expedido.

A partir de então o calvário de Dom Azcona vem se arrastando. Quem o conhece minimamente sabe que tirá-lo do Marajó é o mesmo que arrancar suas entranhas. Os marajoaras são sua própria vida.

Ao transmitir o comunicado recebido, Dom Azcona recebeu dos fiéis católicos, de evangélicos, espíritas e até de ateus (daqueles que dizem graças a Deus) demonstrações inequívocas de grande amor, respeito e admiração, que ele soube cultivar em tantos corações.

Tal qual o saudoso Dom Helder Câmara, o crucifixo que Dom Azcona carrega no peito não é de ouro e sim de madeira. É um bispo que jamais usou joias, que calça sandálias de borracha, veste camisetas e anda a pé. Que se hospeda em igrejas e não em hotéis. Que fala a língua do povo, encontra tempo e disposição para percorrer todo o arquipélago, pregando o amor e a fraternidade, a justiça e a paz. Que se importa com a desigualdade, com o sofrimento e com o abandono secular da população marajoara. Que respeita e entende as tradições ancestrais locais, o modo de fazer e viver de um povo com sabedoria milenar que nunca é escutado.

Gestos emocionantes vêm demonstrando de modo cabal a simbiose entre esse homem santo e a população marajoara, que está nas ruas, de modo pacífico mas firme, manifestando sua vontade de que ele fique, denunciando as perseguições que vem sofrendo nos últimos anos e questionando a legitimidade de decisão tão absurda.

Um marajoara de Soure entregou a Dom Azcona as chaves de sua chácara para que more nela e não tenha que ir embora. Esse gesto pungente, de uma força tremenda, sintetiza a corrente de amor que liga o bispo emérito à sua gente. Cordão umbilical irremovível, que não se aquebranta.

A pergunta que não quer calar é: por que? A quem interessa a expulsão de Dom Azcona do Marajó?

Há décadas, o padre Giovanni Gallo, idealizador e criador do Museu do Marajó, também sofreu perseguição e enfrentou ordem de expulsão do arquipélago. Ele preferiu deixar a igreja e no Marajó permaneceu.

Deus salve o Marajó e mantenha Dom Azcona junto aos marajoaras!

Franssinete Florenzano
Jornalista e advogada, membro da Academia Paraense de Jornalismo, da Academia Paraense de Letras, do Instituto Histórico e Geográfico do Pará, da Associação Brasileira de Jornalistas de Turismo e do Instituto Histórico e Geográfico do Tapajós, editora geral do portal Uruá-Tapera e consultora da Alepa. Filiada ao Sinjor Pará, à Fenaj e à Fij.

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