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A alteração da turbidez do rio Tapajós resulta de, ao menos, duas fontes sedimentares distintas: o rio Amazonas e a atividade garimpeira no médio e alto Tapajós, além de usos da terra que causam desmatamento e exposição do solo. Apenas com pesquisa científica e monitoramento dos aspectos hidrodinâmicos (velocidade e direção da corrente), associados a análises laboratoriais detalhadas, será possível quantificar o grau de contribuição de cada uma. Mas é evidente que as mudanças na coloração das águas do Tapajós, cada vez mais frequentes e mais intensas, coincidem com o avanço da exploração garimpeira na bacia do Tapajós, no trecho que vai desde Jacareacanga até Santarém. É esta a conclusão da nota técnica divulgada nesta segunda-feira, 24, pelos pesquisadores do MabBiomas. O documento foi elaborado por Cesar Guerreiro Diniz, coordenador técnico do Mapeamento da Mineração e da Zona Costeira; Rogério Marinho, Professor do Departamento de Geografia da Universidade Federal do Amazonas (UFAM);  Luiz Cortinhas e Luis Sadeck, analista e desenvolvedor Solved & MapBiomas; Pedro Walfir, coordenador do tema de Mineração e da Zona Costeira; Julia Shimbo, coordenadora científica (IPAM); Marcos Rosa, coordenador Técnico (ArcPlan) e Tasso Azevedo, coordenador Geral do MapBiomas (Observatório do Clima).

O estudo aponta que o garimpo ilegal na Amazônia, tanto terrestre quanto em rios, através de balsas, tem crescido nos últimos anos, e a bacia do Tapajós é uma das regiões onde este crescimento foi mais expressivo no Brasil: triplicou nos últimos dez anos, crescendo uma área do tamanho da cidade de Porto Alegre. Um dos principais impactos é o transporte de sedimentos pelos rios e lagos. Em busca de ouro, os garimpeiros desmatam e escavam o solo ou dragam o fundo dos rios, onde os sedimentos são descartados, alterando as características físico-químicas da água e por consequência, a cor.

As balsas garimpeiras são equipadas com bombas, mangueiras, mergulhadores, esteiras de separação, tambores de concentração e mercúrio. Mergulhadores descem com mangueiras até o leito do rio. As bombas sugam o sedimento de fundo e água até as calhas de separação no interior da balsa. Nas calhas, o fluxo contínuo de água e a diferença de densidade separa o ouro dos outros materiais, que é transportado até tambores de concentração. Ali se dá o uso do metil mercúrio. Adicionado aos tambores de concentração, é usado para a aglutinação química entre o “pó de ouro” e o mercúrio, criando a chamada amálgama de “ouro” (ouro e mercúrio), que por fim é aquecida e o mercúrio é em parte vaporizado e em parte liquefeito. O vapor vai parar no pulmão do garimpeiro e o líquido, ao final da operação, é despejado no rio.

Conglomerados de balsas, organizadas quase que em consórcio, formando frentes de extração de ouro, operam em larga escala sem qualquer tipo de licença ambiental. Essa atuação criminosa despreza as leis ambientais e se mantém pela certeza da impunidade. A área de garimpos detectados em 2020 é recorde histórico da série de dados, que conta com 36 anos de imagens de satélite. Mas a rede MapBiomas só mapeia a superfície do território nacional, ou seja, captura o garimpo acima da lâmina d’água. As extrações por sucção/dragagem de fundo continuam desconhecidas quanto a sua extensão, cenário dos desmandos ambientais do país.

No último dia 19 uma equipe da Secretaria de Meio Ambiente e Sustentabilidade do Pará sobrevoou o rio Tapajós onde a água apresenta coloração diferente da habitual. O grupo, coordenado pelo secretário Mauro O’ de Almeida, composto por técnicos da Diretoria de Recursos Hídricos, do Núcleo de Monitoramento Hidrometereológico, Diretoria de Fiscalização e da Assessoria Especial de Inteligência e Segurança Corporativa da Semas, coletou informações por via aérea, mediu os parâmetros físicos utilizando uma sonda que avalia, entre outros aspectos, o PH e a temperatura da água, e firmou parceria com a Universidade Federal do Oeste do Pará, para obter os dados do Projeto Águas do Tapajós e rapidamente montar um laboratório que atue em conjunto. O secretário admitiu: o Estado, sozinho, não tem condições de fiscalizar os garimpos. É preciso que os órgãos federais combatam os crimes ambientais. Junto à equipe da Semas havia também representantes da Secretaria Municipal de Meio Ambiente, do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Federais (IBAMA), além de integrantes do projeto “Águas do Tapajós”, da Ufopa.

O rio Tapajós, que era de um azul intenso e cristalino, agora já tem cor de lama. As águas turvas trazem sedimentos com mercúrio, arsênio, chumbo e outros metais pesados altamente lesivos à saúde humana, à flora e à fauna, alertou o médico Erik Jennings, que sobrevoa constantemente a região e registrou em vídeos e fotos as mudanças radicais na coloração das águas, a partir da comparação do rio Crepori desaguando no Tapajós em agosto de 2019; do rio Rato desaguando no Tapajós, em  agosto de 2020; e da Ponta do Cururu, em Alter do Chão, no dia 22 de dezembro 2021.

As fotos do médio Tapajós revelam lama e limo pela região de Itaituba/Miritituba, zona portuária de embarque de grãos, área mais próxima dos garimpos, que chegam a despejar no Tapajós o equivalente a um Brumadinho de sedimentos a cada 20 meses, 7 milhões de toneladas/ano, mas ninguém parece se importar. As algas que esverdeiam as águas também se multiplicam por conta da acumulação excessiva de matéria orgânica em uma longa lista nefasta ao meio-ambiente, que inclui esgotos, fertilizantes, retirada da cobertura natural, manejo inadequado do solo, transporte de cianobactérias em água de lastro de navios…. Com o agravante de ainda não se sabe se há também relação das cianobactérias com o pó dos grãos que se espalha pelas águas em meio aos carregamentos nas Estações de Transbordo, nem qual a razão dessa proliferação acima da média, suas consequências e impactos.

Acessem a íntegra da nota técnica do MapBiomas aqui.

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