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Estamos nos últimos aprontos para a estréia do espetáculo “Muralhas Invisíveis”, no Teatro Waldemar Henrique, a partir de um prêmio que ganhamos através da Funarte. São doze jovens atores que interpretam, dançam e cantam, com seu entusiasmo. A direção é de Paulo Santana e quem apresenta a peça é o Grupo Palha. Na equipe técnica, nomes como Pelé do Manifesto, Bboy Quequel, Claudia Palheta e Charles Serruya. Na produção há Tânia Santos e Zê Charone. Uma equipe de sonhadores. Há tempos. E há Rohan Lima, Cacá Carvalho, Bah, Wlad e Olinda, Adriano e Mona Lisa. Tantos! Hoje conversei com Tarrikaem uma ligação. Quando falamos, tratamos objetivamente do assunto em questão e ficamos a conversar por horas sobre nossas aventuras, na longa amizade que nos une. Foi após o papo que fiquei pensando que nossos sonhos duraram uma vida inteira, agindo, produzindo, apresentando arte, jornalismo, discotecagem, literatura, enfim. Sonhadores. Em um tempo sem internet, celular, computador, impressora, nós produzíamos com o que tínhamos. Revistas importadas chegavam atrasadas. Nem todos os jornais de Rio e SP chegavam pontualmente. As rádios dependiam da chegada de discos. Escrevíamos em máquinas manuais de datilografar. Escrevíamos para quem? Uma turma maravilhosa, antenada, produzia para quem se interessasse. Quem tivesse a mesma vibe. Havia programas de rádio para jovens, com as novas tendencias musicais. Até via telex chegavam informações, paradas de sucesso. Vimos os primeiros jornais que saíam nos finais de semana, distribuídos gratuitamente, por conta das propagandas incluídas em cada edição. Fizemos o nosso Zeppelin, que rápido chegou encartado nos grandes jornais da época, com sua linguagem, entrevistas, diagramação audaciosa e jovial. Nas mais diversas classes sociais, todos dançaram em boates e clubes, músicas em que apostávamos e fizeram sucesso. Lembro Joni Mitchell cantando “sonhos, Amelia, sonhos e alarmes falsos”. Até hoje não sei claramente de onde veio a coisa de escrever para teatro. Há conjecturas, mas na real, não sei até hoje. Sonhos. Contar histórias, acompanhar ensaios, roer as unhas nas estréias. Será que eles vão gostar? Será que eles virão assistir? Rosenildo Franco, Luiz Braga, Janjo e Edgar, meus manos. Tarrika, Gilvandro Furtado, Ricardo, Laredo Neto. Tempos inesquecíveis. E para mim, o Teatro que no tempo certo me mostrou o caminho que procurei durante anos, sem nunca deixar de fazer. Escrevi livros de poesia marginal. Para quem? Sei lá. Crônicas que aprendi com meu pai e todos os outros maravilhosos dos jornais do sudeste. Nelson Rodrigues e “À Sombra das Chuteiras Imortais”. E os romances. De onde vieram os romances? Há conjecturas, mas na real, inventei uma brincadeira que me diverte muito. Quando escrevo, vivo com os personagens tudo o que acontece. Não interrompa um escritor quando em redação de seu livro novo. Ele está em outro mundo. E como diz Leonardo Padura, quando enfim o terminamos e entregamos à editora, ficamos jogados pelos cantos como alguém que perdeu um grande amor e agora não tem nenhum programa de vida. Conversando com Tarrika, esses tempos voltam com saudade. Vivemos intensamente. Ainda vivemos, claro, porque estamos aí produzindo. 

O ensaio do “Muralhas” terminou e fui até a calçada da Praça da República, minha conhecida desde que nasci e fiquei aspirando o vento da noite, nas mangueiras. Fiquei pensando no alto risco que corri uma vida inteira, sonhando. E minha cidade sempre em pauta. Uma cidade que é também muito cruel. Mas quanto maior a crueldade, maior nossa vontade. O sonho de agora é este espetáculo que me emociona muito. E aí virão as perguntas: Eles vão gostar? Eles virão assistir. E daí? A vida é sonho.

Edyr Augusto Proença
Paraense, escritor, começou a escrever aos 16 anos. Escreveu livros de poesia, teatro, crônicas, contos e romances, estes últimos, lançados nacionalmente pela Editora Boitempo e na França, pela Editions Asphalte. Foto: Ronaldo Rosa

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