Publicado em: 20 de março de 2022
A Promotora de Justiça Agrária da II Região, Helena de Melo, expediu Recomendação ao Instituto de Terras do Estado do Pará (Iterpa) para a imediata suspensão de três processos administrativos em andamento, até que seja realizada a consulta prévia, livre e informada e providenciado o georreferenciamento do Território Quilombola Erepecuru, localizado nos municípios de Óbidos e Oriximiná, onde há informações sobre movimentação de terceiros, sem autorização pelas comunidades, para fins de exploração madeireira.
Os quilombolas do Erepecuru entendem que a área objeto dos processos administrativos (n° 2021/650927, 2021/210601 e 2021/650987) fazem parte do seu território e estava contemplada pelas demarcações do próprio Iterpa na época da titulação, uma vez que lá exercem suas atividades tradicionais de castanha, sem oposição ao longo do tempo. O TQ do Erepecuru é constituído pelas comunidades Pancada, São Joaquim, Espírito Santo, Araçá, Jauari, Varre Vento, Monte das Oliveiras, Boa Vista do Cuminã, Santa Rita, Jarauacá e Poço Fundo, e lá vivem 154 famílias, em 231.610,2939 hectares, com dois títulos outorgados em favor da Associação das Comunidades Remanescentes de Quilombo Erepecuru, sendo uma de 71.150,8867 ha., outorgada em 08/12/1998 (retificado em 07/07/2016) pelo Incra, e uma área de 160.459,4072 ha., outorgada em 12/05/2000 pelo Iterpa.
A Promotoria de Justiça Agrária do Ministério Público considera que aos remanescentes das comunidades dos quilombos que estejam ocupando suas terras é reconhecida a propriedade definitiva, devendo o Estado emitir os títulos respectivos. As comunidades podem se valer de todos os instrumentos jurídicos na tutela de suas posses, até o reconhecimento da propriedade, a fim de proteger seu território étnico em face de proprietários, terceiros e inclusive contra o poder público, destaca o MPPA.
Um dos responsáveis pelas solicitações junto ao Iterpa procurou as lideranças quilombolas para pedir autorização de trânsito e permanência de terceiros no território, o que foi não foi autorizado pelas comunidades. Os funcionários se alojaram perto dos castanhais de exploração dos quilombolas, nas proximidades da comunidade Jacarezinho e passaram a plaquear árvores, fazer picadas, georreferenciar as áreas e impedir e ameaçar os quilombolas de transitar. Os fatos foram levados ao conhecimento dos órgãos de segurança pública, órgãos ambientais e órgãos fundiários, inclusive o Iterpa.
Nos procedimentos de regularização fundiária, em caso de conflito de interesses sobre uma mesma área, tem que ser observada a preferência dos remanescentes de quilombos, de acordo com a lei estadual nº 8.878/2019. Para o MPPA, a continuidade dos três processos administrativos e suas repercussões no interior do TQ Erepecuru, com a ocupação não autorizada no território tradicional, “causam prejuízos à posse tradicional dos quilombolas e contribuem para o agravamento dos conflitos agrários e socioambientais na região”.
Para garantir sua alimentação e a geração de renda, os quilombolas dependem em muito de suas florestas, onde caçam e coletam a castanha, o açaí, a bacaba, o cipó-titica, a palha e o breu. Os produtos extraídos de seus territórios são utilizados não só como alimento, mas também na confecção de suas casas, na produção de utensílios e ainda para fins terapêuticos.
A alimentação básica dos quilombolas é peixe e farinha de mandioca. A caça e as frutas da floresta complementam sua dieta alimentar. Cada família tem seu roçado, onde planta principalmente a mandioca, o milho e a banana e também feijão, arroz, caupi, hortaliças, abacaxi, cana-de-açúcar, tabaco, cupuaçu, acerola, coco e pupunha. O sistema de cultivo é itinerante, baseado nas operações de broca, derruba, queima e coivara. Homens e mulheres trabalham na agricultura. É comum a organização de puxiruns (denominação regional para mutirão), em que toda a comunidade se reúne para trabalhar em um único roçado.
O Iterpa deve informar ao Ministério Público, no prazo de dez dias, quais providências foram adotadas visando o atendimento da Recomendação. A falta de resposta ensejará interpretação negativa de atendimento e serão adotadas as medidas legais pertinentes.
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