0

Chamo o Teatro da Paz de “meu Teatro”. É que me sinto muito bem quando estou lá. Momentos maravilhosos já passei ali. Acho que o primeiro espetáculo que assisti foi durante a direção de meu avô Edgar Proença. O balé juvenil do Rio de Janeiro veio apresentar-se. Até hoje nào esqueço os dois melhores bailarinos, Elisabeth Oliose e Aldo Lotufo. Também lembro de assistir, no hall de entrada uma tragédia grega, com atores locais. Com 14 anos, lembro de Momento 68, patrocinado pela Rhodia, que misturava desfile de modelos com trajes futuristas e tropicalistas como Gilberto Gil e Caetano Veloso. Minha estréia como autor teatral é algo que nunca esquecerei. Por timidez, não havia assistido nem os ensaios. Sentado em uma frisa, me emocionei quando o curimbó de Mestre Rufino começou a soar, no black out para início de Foi Boto, Sinhá. Aquele instante, lembro até hoje, foi absolutamente marcante, como que dizendo a mim mesmo que era aquilo que eu queria fazer. Escrever para o Teatro. No tempo do Projeto Pixinguinha, foram tantos como Alceu Valença, Gonzaguinha, Egberto Gismonti, Cama de Gato, inesquecíveis. E então escrevi Angelim, o outro lado da Cabanagem. Já conhecia os bastidores desde criança, dos tempos de meu avô. Ocupamos a sala de ensaios no segundo e terceiro andares. No segundo, balé com Teka Sallé. No terceiro, os atores. E, de repente, em 7 de janeiro de 1985, a estréia com direito à banda militar na porta, governador e autoridades. Jader Barbalho assistia alguns ensaios. Veio A Menina do Rio Guamá, que precisou de sessões extras. Eram tempos maravilhosos em que os paraenses lotavam as casas para assistir teatro feito aqui mesmo. Infelizmente veio uma administração que se notabilizou por odiar nossos artistas. Fomos expulsos dos teatros e fomos continuar em casas. Mas houve uma exceção: Convite de Casamento, que passou sete anos em cartaz, correndo o Brasil. Os diretores, ante o pedido de aluguel do Teatro, deram sorrisos. Vocês não vão ter platéia e vão dever. Desistam enquanto podem. Pois lotamos o Teatro na sexta, sábado e domingo. Tiveram de engolir. Creio que voltei lá com Toda minha vida por ti ou Hamlet, não estou bem certo. Voltamos também com Rádio Clube do Pará, a voz que fala e canta para a planície. Mas a essa altura, já tínhamos um Teatro, o Cuíra, com cem lugares onde resistimos sem qualquer ajuda oficial por nove anos. Após a noite negra, estive no da Paz com Abraço, reunindo Claudio Barradas e Zê Charone.
E como está o “meu Teatro”? Como resquícios da noite negra, ele parece estar à disposição apenas de música erudita, orquestra de jazz, ópera ou espetáculos, cada vez mais raros, que vêm do Sudeste. Vez ou outra, escolas de teatro e balé o ocupam, com pais e familiares comprando todos os ingressos para aplaudir e filmar seus pimpolhos e não, esse público não volta para assistir um espetáculo feito por paraenses. O aluguel é muito alto, absolutamente impossível para nosotros. Ah, mas o teatro é um museu, precisa ser cuidado. Errado. Até os museus recusam ser vistos como depósito de coisas velhas. O da Paz é um Teatro e precisa ser usado. Será que a casa precisa do dinheiro dos grupos locais? Não é interesse ter os artistas paraenses naquele palco? Fomentar público para que ele volte. Nós fomos indignamente expulsos. E durante o dia e noite, as salas de ensaio estão vazias. Como? Precisam estar lotadas de artistas ensaiando pagando um preço quase simbólico pois estão ali a fazer arte, extremamente necessária para o povo. Digo mais, gostaria que o senhor governador pensasse em deixar nossos três grandes teatros em uma administração apenas, com um Conselho de Pauta a definir uma programação. Como está é impossível. A Fundação premia espetáculos que ocupam o Margarida Schivazappa por uma noite. Uma noite? Ensaiamos três meses e temos apenas uma noite?
Querido Teatro da Paz, “meu Teatro”, parabéns. Você está lindo como sempre. Sei que você gostaria de ter transitando por seus corredores e palcos os artistas e sua algazarra natural. Você é nosso, afinal. Espero voltar brevemente ao seu palco onde me sinto à vontade. Não que eu ocupe o palco, não sou ator. Mas um espetáculo de minha autoria, querido. Felicidades.

Edyr Augusto Proença
Paraense, escritor, começou a escrever aos 16 anos. Escreveu livros de poesia, teatro, crônicas, contos e romances, estes últimos, lançados nacionalmente pela Editora Boitempo e na França, pela Editions Asphalte. Foto: Ronaldo Rosa

Entrega da Ponte do Outeiro neste domingo

Anterior

91 anos do voto feminino no Brasil

Próximo

Você pode gostar

Comentários