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Quem consome o açaí e seus subprodutos não imagina que em alguns locais
de extração da fruta ou do palmito ainda ocorre situação de exploração da
população ribeirinha, extrativa e quilombola, similar a trabalho escravo. Em
alguns lugares o cotidiano é marcado pela coerção pública e privada, ameaça de
despejo e morte. Quem relata é Rogério Almeida, professor da Unama, em seu
blog
Furo.
No município de Afuá, situado no arquipélago do Marajó, localizado no
delta do rio Amazonas, as terras foram
de sesmarias, e lá ainda se mantém o sistema de aviamento e a presença de
“patrão”, uma espécie de coronel.
Afuá surgiu sobre palafitas no fim do século XIX. Não tem uma só rua, só
estivas e, na orla, um cais. É uma típica cidade ribeirinha, marcada pela
várzea e igapós. Cajuuna, Afuá e Marajozinho são os principais rios, e integram
o estuário amazônico. Fica mais próxima de Santana e Macapá(AP), do que dos
municípios do Pará. Com suas 36.598 almas, conforme o censo do IBGE de 2010, Afuá
abriga o Parque Estadual Charapucu, unidade de conservação de 65 mil hectares.
O Marajó é o território mais empobrecido do Pará. Seus municípios se
destacam por serem detentores do pior IDH no Brasil – em 
2013 foi Melgaço -, e do menor
PIB nacional, caso de Curralinho. É uma questão de revezamento para saber quem
é o
fona da vez, a cada ano. No
ranking dos municípios com pior IDH do Brasil, Afuá figura em nada honroso 22º lugar.
No ano passado, a cidade produziu 5.280 toneladas de açaí e 116 toneladas de
palmito (dados do Censo de Extração Vegetal do IBGE). Segundo o Datasus, 3.534
famílias são beneficiadas com o Programa Bolsa Família.
No Furo dos Pardos, dona Maria José Carvalho foi flagrada escravizando
19 pessoas no processo de extração do palmito. O nome de Carvalho consta da
Lista de Trabalho Escravo elaborada pelo Ministério do Trabalho e Emprego.
A família Castro, no município de Cachoeira do Arari, mantém litígio com remanescentes quilombolas no rio Gurupá. O derradeiro
capítulo foi o assassinato, em agosto deste ano, em Belém, da liderança Teodoro
Lalor. O crime foi considerado pelo setor de segurança pública como passional.
Liberato é o patriarca da família Castro. A filha, Consuelo, é prefeita na
cidade vizinha, Ponta de Pedras.

Já na ilha Carás – favor não confundir com a ilha de Caras, sua antípoda
-, em Afuá, os que tensionam com os ribeirinhos pelo controle de açaizais são o
casal Arlete Abdon Teixeira Moreira e o carioca Jorge Teixeira Moreira, – este
coronel da reserva da PM no Amapá -, a família Carvalho, a família Góes e a
família Bastos.
Os “patrões” são os que, ilegal e
violentamente, grilaram grandes quantidades de terras, ilhas inteiras, sem que
a União tome uma providência. É o caso da ilha de Carás.
Já os escravos são chamados “fregueses”: famílias que os patrões põem
nas “colocações” para tomar conta da terra. Eles extraem madeira, açaí, palmito
e látex de borracha, que são obrigados a vender aos patrões – pelo preço que o
patrão quer -, e há ocasiões em que nada é pago.
Nos barracões do “patrão” o “freguês” é obrigado a trabalhar de meia. O que significa conceder parte do que produz
para o “dono” da terra, ou vender a produção a preço inferior ao de mercado. Os
barracões e as terras são cuidados por capangas. Cobra D´água, apelido do
Adilson, irmão de Arlete Moreira, tem notoriedade entre os moradores de rios e
furos na ilha de Carás. A ele cabe a coerção privada, acusam moradores, que
sofreram até ameaça de tomada de documentos.
Num lugar sem energia elétrica, sem posto de saúde, sem saneamento
básico, com escolas precárias, o “patrão
assume o papel de senhor da vida e da morte dos moradores desprovidos de “letras”, com famílias extensas, que
tendem a pressionar ainda mais sobre os recursos naturais.
A terra ocupada pela família Moreira é tida como grilada pelos setores
alinhados aos ribeirinhos. Os Moreira acusam moradores de invasão e ameaça de
morte. Os caboclos ribeirinhos foram notificados pela Secretaria de Justiça do
Estado do Pará. Alguns chegaram a ser presos. Outros “avisados” de que não
podem produzir roçados, coletar açaí ou palmito fora do perímetro determinado
pelo “patrão”. Arlete e o coronel Moreira alegam que são donos de parte da
ilha, que a matriarca Adélia tem negócios no local há anos, e que há uma década
um cartório registrou a posse da terra em nome da família.
No arquipélago é comum um casal ter, em média, de sete a dez filhos. As
famílias que vão sendo formadas são impedidas de construir novas casas no
local. No Furo dos Porcos e outros locais o poder público nunca chega para
ações de cidadania, mas o oficial de justiça e a PM vão notificar um ribeirinho para garantir a vontade do patrão.

Onde está o Ministério Público?
Franssinete Florenzano
Jornalista e advogada, presidente da Academia Paraense de Jornalismo, membro da Academia Paraense de Letras, do Instituto Histórico e Geográfico do Pará, da Associação Brasileira de Jornalistas de Turismo e do Instituto Histórico e Geográfico do Tapajós, editora geral do portal Uruá-Tapera e consultora da Alepa. Filiada ao Sinjor Pará, à Fenaj e à Fij.

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