Em sentença publicada hoje no Diário da Justiça do Pará, a juíza Blenda Nery Rigon Cardoso, titular da 2ª Vara Criminal da Comarca de Belém, em substituição ao juízo da 9ª Vara Criminal, absolveu sumariamente a jornalista Franssinete Florenzano, editora do Portal Uruá-Tapera e do Blog da Franssinete Florenzano e o jornalista Marcelo Marques, editor do Blog do Bacana e do Portal Bacana News, em relação à acusação de calúnia, posto que os fatos praticados por ambos não constituem crime, e quanto às alegações de injúria e difamação declarou extinta a punibilidade, porque houve prescrição. O processo permanece suspenso em relação à jornalista Ana Célia Pinheiro. O processo contra os três jornalistas foi movido pelo advogado Sábato Rossetti, inconformado com a publicação da gravação feita – e divulgada – pelos ex-prefeitos de Marabá e de Marituba, na qual atribuíram ao causídico a intermediação de “compra” de sentenças de alguns membros do TRE-PA em troca de decisões favoráveis a determinados políticos.
A magistrada observou que “para a configuração do crime de calúnia, imprescindível que reste comprovada a vontade livre e consciente do Querelado em atingir a honra do Querelante, o que, desde logo adianto, não se vislumbra no caso dos autos. Constato a inexistência da prática de calúnia, pelos comentários efetuados no blog da querelada, visto que não foi realizado qualquer juízo de valor quanto à conduta do querelante, mas tão somente a narrativa dos fatos, contextualizando-os com os áudios divulgados, ainda que de forma ácida, não transbordaram o direito de liberdade de expressão” e que “o fato de a querelada haver divulgado o áudio, por si só, não possui o condão de caracterizar o crime de calúnia, na medida em que não sabia, e nem deveria saber, que o fato não era verdadeiro; em especial quando se verifica, como bem lançado pela Defensoria Pública em resposta à acusação, que o diálogo travado possuía relevante interesse social, considerando o envolvimento de dois políticos, onde um deles desconhecendo que estava sendo gravado, discorria acerca de um suposto esquema de venda de sentenças por alguns juízes do TRE/PA.”
A juíza salientou, também, que “a doutrina penal acerca da calúnia assinala que o elemento subjetivo geral para caracterização do crime é o dolo de dano, que é constituído pela vontade consciente de caluniar a vítima, imputando-lhe a prática de fato definido como crime, de que o sabe inocente, sendo que a mera intenção de narrar, de defender ou de criticar, exclui o elemento subjetivo do tipo. Quanto à conduta atribuída ao querelado Marcelo Ferreira Marques da Cruz, (…) novamente observo que a divulgação do áudio no qual duas pessoas públicas,
identificadas como prefeito de Marabá e ex-prefeito de Marituba, discorrem sobre um suposto envolvimento de juízes e advogado com a compra e venda de sentenças, por si só, não tem o condão de conduzir à prática do crime de calúnia por parte do querelado. Saliento, outrossim, que todos os denunciados divulgaram os áudios em blogs na internet, na qualidade de jornalistas, estando amparados pelo direito de liberdade de imprensa, corolário do direito de liberdade de expressão, constitucionalmente previsto.”
Em sua decisão, a magistrada lembrou “a posição de destaque, em nosso ordenamento jurídico, da liberdade de informação jornalística, a qual deve ser garantida e protegida, observando o papel salutar de informar, inclusive criticamente, os fatos que possam repercutir no seio da sociedade; justamente por isso, a imprensa goza de prerrogativas que têm por fim garantir sua liberdade, em prol do direito coletivo de informação, ainda que as críticas sejam ácidas, duras e veementes, principalmente em se tratando de pessoas públicas, como eram os dois envolvidos nos áudios divulgados, bem como o relevante valor social, até aquele momento, do teor dos referidos áudios. De mais a mais, deve ser ressaltado que no momento da divulgação dos áudios, não havia qualquer desmentido por parte dos interlocutores das conversas gravadas quanto sua veracidade, o que somente foi obtido pelo algum tempo após, ou seja, somente quando um dos interlocutores respondeu a interpelação judicial ajuizada pelo querelado. Dessa forma, não se poderia exigir dos querelados que tivessem certeza da falsidade das imputações ali dirigidas e nem que aguardassem sua apuração para após divulgá-los, diante da evidente gravidade e ampla repercussão social”.
Transcrevendo farta jurisprudência sobre o tema, a juíza Blenda Nery Rigon Cardoso acentuou, ainda, que “pela leitura das peças e documentos dos autos, é evidente que os Querelados divulgaram a ocorrência de fatos relevantes para a sociedade, que até aquele momento não havia qualquer desmentido por parte de seus interlocutores, com objetivo de informação aos leitores de seus blogs, agindo no exercício regular de um direito”, vislumbrado nos autos, “diante do fato de tão-somente terem divulgado áudio no qual várias acusações de cunho relevante para a sociedade foram propaladas.”
Confiram os termos da setença.
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