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Acatando as alegações do Ministério Público do Estado do Pará em Ação Civil Pública, o juiz Laércio de Oliveira Ramos deferiu a liminar pleiteada e determinou a imediata paralisação de qualquer obra da Prefeitura de Santarém na Praça Rodrigues dos Santos até o deslinde da questão, sob pena de multa de R$100 mil, sem prejuízo de ampliação desta e de outras medidas legais. A decisão de urgência foi tomada diante da falta de estudos de impacto ambiental e de consulta e debate do projeto com a população interessada, agravada pelo fato de que a praça é registrada no Cadastro Nacional de Sítios Arqueológicos do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional desde 2008, e o Iphan não autorizou a intervenção, sequer foi ouvido.

O magistrado citou as informações prestadas pelo Instituto Histórico e Geográfico do Tapajós ao MPPA, destacando o valor histórico e cultural da praça em litígio e sua importância para a memória e cultura santarena, que vêm sendo ameaçadas pela derrubada de árvores no local, situado dentro da área poligonal da Zona de Preservação do Patrimônio Cultural do Município, o que obriga qualquer obra no local a seguir criteriosamente as normas legais específicas.

Nas imagens juntadas aos autos havia aparentes resquícios arqueológicos na praça. Consignando que a Constituição Federal impõe ao poder público e à coletividade o dever de defender e preservar o meio-ambiente para as presentes e futuras gerações, incumbindo, bem por isso, ao município o dever de zelar pelo patrimônio histórico e cultural, o juiz Laércio de Oliveira Ramos assinalou o início da obra sem prévia avaliação ou estudos técnicos, pelo que entende “extremamente prudente deferir a pretendida medida, sob pena de sérios e/ou irremediáveis prejuízos”.

No início do século XX, o etnólogo alemão Curt Nimuendaju coletou material etnográfico e arqueológico, descrito em sua obra Os Tapajó, publicada nos cadernos do Museu Paraense Emílio Goeldi em 1949, retratando a região de Santarém. As peças escavadas por ele no exato lugar da Praça Rodrigues dos Santos estão no Museu de Gotemburgo, na Suécia.

Os historiadores e pesquisadores do IHGTap ajudaram a elaborar a lei que o prefeito Nélio Aguiar assinou em 2018, tratando dos cuidados com o patrimônio, a mesma que criou o Conselho do Patrimônio Histórico Municipal de Santarém, até hoje não regulamentada e por isso mesmo inócua: nunca foi criado o Conselho, que poderia assessorar a prefeitura em situações como a atual e inclusive ajudar a captar recursos para o município, fazer o inventário do patrimônio municipal e inserir o município no Cadastro Nacional de Cultura, de modo a se habilitar aos grandes editais.

Preservar a história não imobiliza a cidade, nem a inviabiliza economicamente; ao contrário, pode ajudar a impulsioná-la, salientam os membros do IHGTap, desgostosos com a falta de cuidados com a cerâmica mais antiga de todo o continente americano, encontrada no território municipal de Santarém, o que por si só geraria grande atrativo turístico e científico.

A Prefeitura alega ter debatido o projeto e contar com o apoio da Associação Comercial de Santarém; mas, segundo diretores da entidade e o próprio presidente da ACES, Roberto Branco, o projeto original não derrubaria uma só árvore e muito menos destruiria a praça. No projeto aprovado pelo empresariado e que teria a assessoria do Sebrae-PA, o paisagismo existente era evidenciado como parte importante na requalificação do eixo turístico. Mantinha os canteiros originais, o alinhamento e disposição das árvores frutíferas. Os módulos abriam espaço para as escadas, garantindo as conexões e fluxos existentes. A proposta utilizava os muros de arrimo que já existiam (barreiras físicas consolidadas) para servir de implantação aos boxes, inclusive propondo que a via se tornasse um calçadão, a exemplo da Trav. dos Mártires, o que iria garantir segurança e conforto aos usuários, bem como a franca conexão dos boxes com o Mercado Modelo e áreas comerciais adjacentes. Mas o prefeito não seguiu a sugestão da ACES e o projeto foi alterado sem qualquer anuência popular ou de segmentos sociais representativos da municipalidade. Há até uma recomendação do Ministério Público Federal, datada de 2020, sobre essa pauta. Em observância às determinações legais, durante o licenciamento ambiental, se o empreendimento estiver localizado em uma área onde já existe constatação de artefatos arqueológicos (o sítio Aldeia vai da Fortaleza até o Laguinho), o Iphan tem que ser notificado, obrigatoriamente, logo no início do processo pelo órgão licenciador, o que em tempo algum foi providenciado.

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