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O CineSal desta semana foi com a professora doutora Sidiana Macêdo, que abordou o tema “Na cozinha de Babette”, sobre o filme “A festa de Babette”, de 1987, baseado no livro homônimo, da escritora dinamarquesa Karen Blixen, com direção de Gabriel Axel.

Vinculado à linha de pesquisa “Literatura e Políticas do Contemporâneo”, do Programa de Pós-Graduação em Estudos Literários (Faculdade de Letras da UFMG) e ao que se denomina genericamente de food studies, o Cine Sal reúne pesquisadores, alunos e interessados em torno do tema da alimentação como espécie de interface para o estudo e a análise de questões pertinentes tanto ao tempo atual quanto a revisões e leituras do passado.

Pesquisadora colaboradora da rede Transnacional DIAITA – Património Alimentar da Lusofonia, editora do blog @daquiloquesecome, Sidiana é membro do Instituto Histórico e Geográfico do Pará, do conselho editorial de revistas científicas como a Revista Brasileira de Gastronomia RBG e a Revista Mangút: Conexões gastronômicas (UFRJ- INJC), colaboradora do Instituto Histórico e Genealógico de Campinas e integrante do Grupo de Estudos e Pesquisas sobre Escravidão e Abolicionismo na Amazônia (GEPEAM).

Elaborando figurações literárias sobre a fome, a fartura, o festim, as relações do cotidiano, o paladar, a nutrição, concomitantemente à discussão acerca do consumo, do abastecimento, de questões éticas e ideológicas relacionadas à qualidade alimentar do tempo presente, Sidiana fez, ainda, um cotejo com as doceiras e quituteiras da Belém da década de 1950, por exemplo, que também tinham obras autorais, tanto que “assinavam” seus doces, bolos e pratos com detalhes quase imperceptíveis, como um selo de qualidade.

A pesquisadora fez uma interessantíssima abordagem da história de “A Festa de Babette”, que se passa no século XIX, em um vilarejo na costa da Noruega, “um braço longo e estreito de mar entre montanhas altas chamado Berlevaag”. Numa noite de tempestade duas respeitadas senhoras irmãs, filhas de um pastor, contratam uma parisiense recém-chegada como cozinheira: Babette, uma fugitiva do massacre da Comuna de Paris ocorrido em maio de 1871. E assim, “Numa noite chuvosa de junho, em 1871, a corda da campainha da casa amarelo foi puxada violentamente três vezes. As donas da casa abriram a porta para uma mulher robusta, morena, mortalmente pálida, com um pacote no braço”. Babette, que “sabe cozinhar”, logo “adquiriu a aparência de uma criada confiável e respeitável”, conta Sidiana, que tem um jeito especial de abordar um assunto aparentemente tão simples e que envolve sentimentos, percepções e simbolismos culturais extremamente complexos.

Tomando o espaço da cozinha em sua dimensão material e imaterial, Sidiana tangencia aspectos históricos da sua evolução, o saber, o sabor, a alegria, a partilha, a gula, a culpa. Ilustra inclusive com a Santa Ceia. “Depois de doze anos trabalhando na casa das irmãs, Babette ganha na loteria e resolve agradecer pela acolhida com um suntuoso jantar. Assim que chegou na casa das irmãs, ela havia sido advertida que “eram pobres e que, para elas, comidas sofisticadas eram pecado. A alimentação delas tinha de ser o mais simples possível; eram os panelões de sopa e cestas para os pobres que importavam”, realça Sidiana, evidenciando o quão magistral é o livro/filme ao mostrar um jantar como um momento memorável ao paladar e de celebração.

“A comida que traz alegria, conforto e lembranças. O “jantar de Babette” é o ponto alto da obra, Babette consegue trazer vida àquela casa e às pessoas através de um jantar inesquecível que irá transformar para sempre a vida simples e extremamente austera do lugar. Babette, que já havia sido uma grande cozinheira em Paris, no aclamado Café Anglais, serve de forma espetacular: “Blinis Demidoff”, “Sopa de Tartaruga”, “Cailles en Sarcophage”, uvas, figos e pêssegos frescos. Entre bebidas como Amontillado e Veuve Clicquot 1860, um menu tão harmonioso e perfeitamente elaborado. Jantar esse que custou os dez mil francos que Babette havia ganhado na loteria. Ricamente elaborado, o jantar contava com alimentos que eram de valor elevado, e em determinado momento Babette informa que um jantar semelhante àquele “para doze no Café Anglais custaria dez mil francos”.

Para Sidiana Macêdo, a obra de Karen Blixen é um verdadeiro presente aos amantes do mundo da História da Alimentação e Gastronomia. “Eu sempre digo que existem obras clássicas que devem ser revisitadas, vez por outra, pois elas nos permitem a cada vez, novos olhares. Como o livro de Karen Blixen. A cada nova leitura, novos olhares, observações e entendimentos são possíveis. Fantástico”.

Sidiana da Consolação Ferreira de Macêdo é professora adjunta da Faculdade de História da Universidade Federal do Pará do campus de Ananindeua, mestra em História Social da Amazônia, autora do livro “Do que se come: uma história do abastecimento e da alimentação em Belém (1850-1900). É doutora em História Social da Amazônia, pelo Programa de Pós-Graduação em História Social da Amazônia da UFPA, com a tese “A cozinha mestiça. Uma história da alimentação em Belém. (Fins do século XIX a meados do século XX)”. É professora credenciada no Mestrado profissional de História (Profhistória) e historiadora da alimentação, e líder do grupo de pesquisa Alere-Grupo de Pesquisa da História do Abastecimento e da Alimentação na Amazônia.

O nome do programa vem de: Sal – do latim salarium, moeda de troca na Antiguidade Romana. Nas origens bíblicas, “terra salgada”, “vale do sal”. Sal signo. Símbolo de fidelidade, constância, virtude que sela acordos e amizades. Incorruptibilidade. Preservação. Permanência. Incorporação. Experiência gustativa: língua com sal, palavra com sal, conversa com sal. Através de uma perspectiva multidisciplinar – literatura, história, geografia, linguística, antropologia, etnografia, artes plásticas, arquitetura – agrega projetos que problematizem e desenvolvam pesquisas acerca do tema da alimentação. A intenção é investigar, em textos literários contemporâneos brasileiros e portugueses, a presentificação da fome e da fartura. Investigar, na literatura e nas artes, a antropofagia como método e tema. Explorar a relação da culinária com a criação artesanal.

Cliquem no link e assistam. É maravilhoso.

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