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O Instituto de Desenvolvimento Florestal e da Biodiversidade anunciou que vai reabrir no próximo dia 31 a Floresta Estadual de Trombetas, na Base do Jaramacaru, para a coleta da safra da castanha-do-Pará. Alega que discutiu a medida com a Secretaria de Estado de Segurança Pública, o Comando de Policiamento Ambiental, a Secretaria de Estado de Transportes e a Prefeitura de Óbidos e que só os extrativistas cadastrados previamente poderão entrar na Flota, mediante as carteiras de credenciamento, de vacinação e de identidade, com testagem na hora. Diz que cumprirá todas os protocolos de segurança para evitar a disseminação da Covid-19 e do vírus da Influenza H3N2. E que não permitirá crianças, animais domésticos, bebidas alcoólicas e álcool líquido, apenas em gel; nem arma de fogo e motosserras. Exigirá dos extrativistas um Termo de Compromisso Individual, de ficarem longe da Terra Indígena Zo’é. Em caso de descumprimento, o castanheiro e sua equipe serão afastados.

É o tipo da decisão temerária. A presidente do Ideflor-Bio, Karla Bengtson, garante que a reabertura da Flota será monitorada por servidores da Diretoria de Gestão e Monitoramento das Unidades de Conservação, com o acompanhamento da Polícia Militar do Pará. “Além do extrativista ser cadastrado pelo Ideflor-Bio e ter recebido dose única ou duas doses do imunizante, será cobrado também o cumprimento das medidas preventivas para evitar a disseminação da Covid-19 e síndrome gripal, como uso de máscara, álcool em gel e distanciamento “, disse a presidente. Mas não explica como garantirá esse controle, já que historicamente todos os órgãos de fiscalização ambiental, sem exceção, reclamam justamente dessa impossibilidade, frente às extensões imensas das unidades de conservação. Ademais, acreditar que os caboclos usarão máscaras no meio do mato sob um sol escaldante é algo folclórico. Sem mencionar a frouxidão da exigência de “dose única ou duas doses do imunizante”, se já estamos quase na quarta dose de vacina contra a Covid.

Além do mais, o Ideflor-Bio só conversou com a prefeitura de Óbidos, ignorando a de Oriximiná, município em cujo território está situada a maior parte da Flota, nada menos que 88%, enquanto Óbidos detém 11% e Alenquer 1%. E a maior parte dos extrativistas que trabalham na coleta de castanha é oriximinaense, tradição secular.

A Floresta Estadual do Trombetas foi criada pelo Governo do Estado do Pará via Decreto nº 2.607/2006, e é uma Unidade de Conservação de Uso Sustentável. Fechou em abril de 2020, por conta da pandemia. Reabriu em agosto do mesmo ano, após reunião com Ministério Público do Estado e Funai, que autorizaram mediante o cumprimento de medidas preventivas, depois que o Supremo Tribunal Federal acolheu pedido da Articulação dos Povos Indígenas do Brasil e de outras entidades e determinou a instalação de barreiras sanitárias em mais de trinta territórios onde vivem povos indígenas em isolamento voluntário ou de recente contato, como são os Zo’é. No início de 2021 fechou de novo, em razão do recrudescimento da pandemia, e o Governo do Estado, por meio do Renda Pará, pagou auxílio no valor de R$500 para 447 catadores de castanha.

Em junho do ano passado o juiz federal Felipe Gontijo Lopes barrou a reabertura da Flota. Na decisão, ponderou que a Funai está estabelecida dentro da TI e não nos seus limites. E que o livre tráfego nas áreas limítrofes da TI Zo’é tornaria impossível resguardar toda a área de habitação da população indígena, Zo’é. O magistrado também frisou que, ao contrário do que foi decidido pelo STF, o Ideflor-bio e o estado do Pará não apresentaram ao MPF sequer um plano de contenção sanitária particular para proteção especial dos Zo’é, mesmo sabedores da fragilidade do grupo, historicamente afetado pelas atividades ilegais de exploração em seu território.

De acordo com o Instituto Socioambiental (ISA), quando se trata de populações como os Zo’é, uma única pessoa infectada com Covid-19 pode escalar um surto epidemiológico para até 30% da população indígena, advertiram o procurador da República Gustavo Kenner Alcântara e a promotora de Justiça Ione Missae Nakamura, subscritores da ação pelo MPF e MPPA, respectivamente, com o que a Justiça Federal considerou que a reabertura prematura da unidade atenta contra o direito à vida e à saúde dos Zo’é.

No processo, o MPF e o MPPA pedem que o retorno das atividades na Flota só seja autorizado depois que o período de pandemia tiver oficialmente terminado e que existam condições de segurança sanitária, ou que a essa liberação do acesso seja condicionada à apresentação de plano de contingência com garantia sólida da segurança sanitária dos Zo’é.

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