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O Grupo Empresarial Zeppone, que detém as marcas Polpanorte, Origem Açaí e Frutuá, inaugurou hoje (17), uma planta industrial no município de Benevides, na Região Metropolitana de Belém. Com sede na cidade de Japurá (PR), o grupo atua na comercialização de polpas de frutas brasileiras, entre elas o açaí. A fábrica vai ocupar uma área de mais de 20 hectares, com expectativa de produção superior a 6 mil toneladas de açaí, por safra, mas vai gerar menos de 50 empregos diretos. É pouco, muito pouco, considerando as muitas pequenas e médias empresas paraenses que empregam grande parcela de trabalhadores, atuam como fornecedores e compradores para as grandes organizações e proporcionam serviços e produtos essenciais à sociedade, que foram seriamente abaladas pela pandemia e deveriam ser incentivadas.

Para os empresários paranaenses – que trouxeram para a inauguração até o padre e a prefeita de Japurá, além dos ocupantes dos cargos de direção e gerência do empreendimento -, é mesmo um excelente negócio. Vão baratear em muito os custos de transporte, instalando a fábrica no estado que é o maior produtor mundial de açaí; não vão plantar uma só muda e sim comprar dos extrativistas, que colhem as frutas das árvores nativas; e não vão contratar os paraenses, que estão precisando muito de colocação no mercado de trabalho. Terão muito lucro do empreendimento, que obteve redução do ICMS, financiamento pelo Banpará e também benefícios da prefeitura de Benevides.

A estratégia serve ao melhor estilo do capitalismo selvagem: comprando dos extrativistas o Grupo Zeppone não os registrará como empregados, o que significa escapar dos recolhimentos trabalhistas e previdenciários, bem como não arcará com planos de saúde e nem com as consequências dos acidentes de trabalho. Para quem não sabe, são as crianças que sobem nas árvores, com facões para cortar os cachos de açaí, que não raro escapam de suas mãos e fazem cortes profundos em seus pequenos e frágeis corpos, causando mutilações e ceifando vidas. Ao escalar as palmeiras, cortar os cachos das frutas, deslizar com elas nos caules escorregadios, nas condições mutáveis da floresta amazônica, com chuva ou sol escaldante, a peconha (espécie de corda feira com fibras vegetais, que prendem os tornozelos para subir nas árvores) fere as suas pernas e pés e causa deformidades permanentes, além dos frequentes ataques de cobras e outros bichos na mata. Essas vítimas, que moram em palafitas sem água tratada e muito menos esgoto sanitário, luz elétrica e transporte público, nunca são socorridas pelas empresas, vão para a vala comum do SUS, que arca com as responsabilidades da iniciativa privada.

Quase todo o açaí consumido no mundo (cerca de 95%) sai do Pará. Apesar de ser um número muito significativo, em nada melhorou as vidas das centenas de milhares de famílias extrativistas. A informalidade é de 100% nas relações de trabalho. Nada menos que 89% dos coletores relataram já terem se acidentado; em mais da metade dos casos, houve necessidade de internação do paciente e tratamento especializado; e em 62% das vezes o tempo de afastamento variou entre 10 a 60 dias.

Em ação inédita do Programa Trabalho Seguro, do Tribunal Regional do Trabalho da 8ª Região (TRT-8), tendo como gestor regional o Desembargador Walter Roberto Paro, o Instituto Peabiru e a Fundacentro, órgão do Ministério do Trabalho e Emprego que orienta políticas públicas em Segurança e Saúde no Trabalho e Meio Ambiente, estudaram a cadeia de valor do açaí, que envolve mais de meio milhão de pessoas (cerca de 120 mil famílias), nas zonas rurais do Pará e Amapá. A localidade escolhida foi o Rio Canaticu, no município de Curralinho, no arquipélago do Marajó (PA), que reveza com Melgaço no triste ranking de menor IDH (Índice de Desenvolvimento Humano) do Brasil e do mundo.

Os resultados alarmantes classificaram a atividade como uma das mais perigosas do Brasil. “Romantiza-se o extrativismo diante da absoluta informalidade, falta de equipamentos de proteção individual, bem como inexistência de sistema de proteção social ao trabalhador. A questão se agrava perante o desinteresse por parte dos elos mais fortes da cadeia de valor – indústrias, atacadistas, varejistas e batedores da região. O consumidor final desconhece os riscos da atividade, e, pior, todos os riscos e ônus recaem sobre o extrativista e sua família”, sintetiza o relatório do Peabiru/Fundacentro. O estudo rememora também que, até há duas décadas, a extração do fruto era principalmente para a alimentação da família. Assim, as crianças subiam uma a duas vezes nas árvores ao dia. Entretanto, a partir do momento em que o açaí se tornou produto com demanda crescente, nacional e internacional, como uma commodity, elas sobem dezenas de vezes ao dia, e as comunidades manejam áreas cada vez maiores. Isto aumenta exponencialmente os riscos de acidentes. Em um dia de pico de safra há cerca de um milhão de subidas em açaizeiros.

A família Brasil-Lobato, que vive no Projeto de Assentamento Agroextrativista (Paex) Alto Camarapi, na Gleba Alto Camapari, em Portel, no Marajó, participa do programa piloto de manejo do açaí executado pelo escritório local da Empresa de Assistência Técnica e Extensão Rural do Estado do Pará (Emater). Leandro, 37 anos, e Maria Inês, 46 anos, colhem nos cerca de quatro hectares de área nativa do Sítio LD. Os dois filhos do casal é que são os peconheiros: Elvis, 12 anos, e Ingrid, 10 anos. Por falta de informação e situação de extrema pobreza, eles acham natural que as crianças saiam da escola para arriscar suas vidas no açaizal.

Com o apoio da Associação dos Trabalhadores Agroextrativistas do Alto Camarapi (Atagrocamp), a Emater tem mobilizado e orientado 60 famílias de duas comunidades da região, Aparecida e São Pedro. Além de demonstrações técnicas sobre manejo, há esclarecimento e encaminhamento sobre crédito rural, sistemas agroflorestais, tratos culturais e mercados. Com capacitação e acompanhamento, estratégias como espaçamento adequado e seleção de espécies para exclusão e desbaste de touceiras, haverá aumento de produtividade, acredita o chefe do escritório da Emater em Portel, o técnico em agropecuária Jocimar Mendonça.

Mas é preciso urgentemente dotar os extrativistas dos equipamentos individuais de segurança no trabalho. E isto deve ser cobrado das empresas que atuam no setor. Um projeto desenvolvido em conjunto entre coletores de açaí e designers polonesas criou ferramentas para os peconheiros. A iniciativa surgiu a partir da fundação “The spirit of Poland”, pelas designers Monika Brautsch e Dorota Kabala, polonesas, com a colaboração da designer brasileira Carolina Menezes, além de Leandro Teles e José Maria Gomes, ribeirinhos paraenses. Os protótipos foram testados em 2018, 2019 e 2020 e batizados. O “Kit dos Peconheiros” inclui protetor de antebraço (com luva e sem luva), cinto multifuncional, bainha e laço com gancho e pulseira. Agora falta encontrar quem tenha expertise em produzir e comercializar, a valores acessíveis, o Kit dos Peconheiros. O projeto tem recebido reconhecimento internacional e foi selecionado para participar da Austin Design Week, evento de Design que acontece agora em novembro com a exposição “Black Gold – Design project in the Amazon rainforest”.

Cliquem aqui para acessar a íntegra do relatório do Instituto Peabiru/Fundacentro. E confiram o Kit Peconheiro nas fotos.

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