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A região amazônica concentra os conflitos relacionados à terra no Brasil. Em 2021 respondeu por 52% dos conflitos e 62% do número de famílias envolvidas em todo o país. Esse cenário está ligado à expansão da fronteira agrícola, principalmente em territórios tradicionais, além da instalação e operação de projetos de infraestrutura e mineração, fato agravado pela ausência do poder público na região e a impunidade. Os dados são do Centro de Direitos Humanos e Empresas da Fundação Getúlio Vargas, em recente pesquisa feita para o Conselho Nacional de Justiça.

O levantamento revela também que a redução na aplicação de sanções administrativas pelo Ibama pode estar associada ao aumento do desmatamento nos últimos anos, aliada à falta de estrutura e baixa capilaridade das instituições do sistema de Justiça (Ministério Público, Defensoria Pública), falta de conhecimento jurídico ou de assessoria jurídica às pessoas atingidas por conflitos socioambientais para ter ciência dos seus direitos; custo financeiro de ações judiciais; medo de represálias; barreiras físicas e tecnológicas, como a distância geográfica, necessidade de deslocamento e baixa capilaridade do Judiciário; lentidão dos processos; falta de confiança no sistema de Justiça; e limitações processuais (falta de mecanismos processuais).

Mapa produzido pelo estudo da FGV destaca que o Pará lidera o triste ranking, totalizando 2.248 conflitos no campo. Os estados do Maranhão, de Rondônia e de Mato Grosso também têm números significativos, totalizando respectivamente 1.974, 1.329 e 1.134.

Vale notar que Pará, Tocantins, Mato Grosso e Rondônia representam 62% dos municípios da Amazônia Legal; todavia ainda assim o número de conflitos é substantivamente concentrado no Pará. Quando comparados com os demais municípios da Amazônia Legal, Altamira, São Félix do Xingu e Itatuba figuram entre os 20 municípios com maior quantidade de casos de violência no campo entre 2018 e 2020, sendo Altamira o segundo do ranking e São Félix do Xingu o sétimo, e com tendência de crescimento.

Os conflitos têm relação com as áreas protegidas da Amazônia, como demonstrado em mapa dos locais de acontecimento e a interação com as áreas. Esse dado é corroborado por outros estudos que mostram que, nos últimos anos, as frentes de desmatamento também se direcionam para as Unidades de Conservação, Terras Indígenas e Terras Quilombolas, ignorando o ordenamento jurídico e as instituições públicas de gestão territorial. Ademais, há significativa sobreposição dos territórios ligados à extração ilegal de ouro com áreas protegidas na Amazônia, em especial nas Terras Indígenas. Ainda assim, estudos mostram a importância do investimento na institucionalização de UCs para atuarem como “barreiras verdes” contra o desmatamento e a ação de garimpeiros, grileiros e madeireiros.

A violação de direitos humanos das populações locais é tida como fato desencadeador de boa parte dos conflitos, agravado pela ausência do poder público, em especial, Executivo e Legislativo, que muitas vezes têm discutido projetos de lei contrários à proteção ambiental, diz a pesquisa da FGV.

O levantamento identificou, ainda, que o Tribunal de Justiça do Pará tem diferença de 66,34% entre 2020 e 2021, no que tange a ações ajuizadas por questões ambientais. O Pará segue na dianteira em diversos indicadores: conflitos socioambientais, incremento de desmatamento e infrações ambientais.

O estudo apresentou, entre as recomendações, estabelecimento de padrões e protocolos de tratamento em áreas com conflitos que envolvam violência ou violação de direitos humanos de povos e comunidades tradicionais (incluindo defensores dos direitos humanos em matéria ambiental, da forma como trata o Acordo de Escazú); formação de magistrados(as) que atuem nesses territórios e reforço da segurança de juízes e servidores nessas unidades judiciárias, mantendo a territorialização do judiciário e todo o aparato do sistema de justiça, que envolve também as demais instituições, na linha do recém-criado “Protocolo para Julgamento com Perspectiva de Gênero”.

Entre as sugestões da FGV, maior articulação com os órgãos de fiscalização ambiental para o planejamento das ações criminais relacionadas a infrações ambientais e ao mapeamento de seus principais atores; maior articulação com organizações da sociedade civil para monitoramento sobre o cumprimento dessas ações, por meio da criação de mecanismos de acompanhamento de sentença e de arenas colaborativas de monitoramento, com a flexibilização prevista no Código de Processo Civil por meio de tutelas específicas e atipicidade de provas; desenvolvimento de lista suja de infratores ambientais, na linha do Cadastro de Empregadores “lista suja” do trabalho escravo publicado pelo Ministério do Trabalho ou da iniciativa da Secretaria de Meio Ambiente e Sustentabilidade do estado do Pará, através da Lista de Desmatamento Ilegal, visto que foi identificada, de forma exploratória, a recorrência dos responsáveis pelas infrações ambientais e polo passivo nas ações socioambientais analisadas.

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