Vale a pena reproduzir trechos do voto da relatora da Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) 4815, ministra Carmen Lúcia, seguido à unanimidade pelo Plenário do Supremo Tribunal Federal:
“O direito à liberdade de expressão – transcendendo o cogitar
solitário e mudo e permitindo a exposição do pensamento – permeia a
história da humanidade, pela circunstância mesma de ser a comunicação
própria das relações entre as pessoas e por ela não apenas se diz do bem,
mas também se critica, se denuncia, se conta e reconta o que há de vida e
da vida, da própria pessoa e do outro, fazendo-se a arte exprimindo-se o
humano do bem e do mau, da sombra e do claro. E forma-se pela
expressão do que é, do que se pensa ser, do que se quer seja, do que foi e
do que se pensa possa ser a história humana transmitida. Afinal, no
princípio é o Verbo. Encarna-se a vida no Verbo. E o verbo faz-se carne e
torna-se vida.
O ser faz-se verbo. (…)
solitário e mudo e permitindo a exposição do pensamento – permeia a
história da humanidade, pela circunstância mesma de ser a comunicação
própria das relações entre as pessoas e por ela não apenas se diz do bem,
mas também se critica, se denuncia, se conta e reconta o que há de vida e
da vida, da própria pessoa e do outro, fazendo-se a arte exprimindo-se o
humano do bem e do mau, da sombra e do claro. E forma-se pela
expressão do que é, do que se pensa ser, do que se quer seja, do que foi e
do que se pensa possa ser a história humana transmitida. Afinal, no
princípio é o Verbo. Encarna-se a vida no Verbo. E o verbo faz-se carne e
torna-se vida.
O ser faz-se verbo. (…)
Cada tempo tem sua história. Cada história, sua narrativa. Cada
narrativa constrói e reconstrói-se pelo relato do que foi não apenas uma
pessoa, mas uma comunidade. E assim se tem a expressão histórica do
que pôde e o que não pôde ser, do que foi para se imaginar o que poderia
ter sido e, em especial, o que poderá ser.
História faz-se pelo que se conta. Silêncio também é história. Mas
apenas quando relatada e de alguma forma dada a conhecimento de
outrem. Pela sua força de construção e desconstrução de relações sociais,
políticas e até mesmo econômicas, a expressão como direito é fruto de
lutas permanentes desde os primórdios da história.(…)
narrativa constrói e reconstrói-se pelo relato do que foi não apenas uma
pessoa, mas uma comunidade. E assim se tem a expressão histórica do
que pôde e o que não pôde ser, do que foi para se imaginar o que poderia
ter sido e, em especial, o que poderá ser.
História faz-se pelo que se conta. Silêncio também é história. Mas
apenas quando relatada e de alguma forma dada a conhecimento de
outrem. Pela sua força de construção e desconstrução de relações sociais,
políticas e até mesmo econômicas, a expressão como direito é fruto de
lutas permanentes desde os primórdios da história.(…)
Se expressão é palavra, como enfatizado na regra de direito civil, não
se deslembre Cecília Meireles: “ai palavras, ai palavras; que estranha potência
a vossa…A liberdade das almas, ai! com letras se elabora…e dos venenos humanos
sois a minha fina retorta: frágil, frágil como o vidro, e mais que o aço poderosa!
Reis, impérios, povos, tempos, pelo vosso impulso rodam…”.
Direito à liberdade de expressão é outra forma de afirmar-se a
liberdade do pensar e expor o pensado ou o sentido. E é acolhida em
todos os sistemas constitucionais democráticos. A atualidade apresenta
desafios novos quanto ao exercício deste direito. A multiplicidade dos
meios de transmissão da palavra e de qualquer forma de expressão sobre
o outro amplia as definições tradicionalmente cogitadas nos
ordenamentos jurídicos e impõem novas formas de pensar o direito de
expressar o pensamento sem o esvaziamento de outros direitos, como o
da intimidade e da privacidade. Mas em toda a história da humanidade, o
que se tem como fio condutor de lutas de direitos fundamentais é
exatamente a liberdade de expressão.
Quem, por direito, não é senhor do seu dizer não se pode dizer
senhor de qualquer direito. (…)
se deslembre Cecília Meireles: “ai palavras, ai palavras; que estranha potência
a vossa…A liberdade das almas, ai! com letras se elabora…e dos venenos humanos
sois a minha fina retorta: frágil, frágil como o vidro, e mais que o aço poderosa!
Reis, impérios, povos, tempos, pelo vosso impulso rodam…”.
Direito à liberdade de expressão é outra forma de afirmar-se a
liberdade do pensar e expor o pensado ou o sentido. E é acolhida em
todos os sistemas constitucionais democráticos. A atualidade apresenta
desafios novos quanto ao exercício deste direito. A multiplicidade dos
meios de transmissão da palavra e de qualquer forma de expressão sobre
o outro amplia as definições tradicionalmente cogitadas nos
ordenamentos jurídicos e impõem novas formas de pensar o direito de
expressar o pensamento sem o esvaziamento de outros direitos, como o
da intimidade e da privacidade. Mas em toda a história da humanidade, o
que se tem como fio condutor de lutas de direitos fundamentais é
exatamente a liberdade de expressão.
Quem, por direito, não é senhor do seu dizer não se pode dizer
senhor de qualquer direito. (…)
Desde a Declaração de Direitos do Homem e do Cidadão, fruto da
Revolução Francesa de 1789, a garantia de exercício das liberdades, realce
dado à livre comunicação do pensamento e de opinião, foi erigido em
ponto nuclear do sistema(…)
No espaço do direito internacional regional, essa mesma garantia de
liberdade está prevista na Convenção Americana de Direitos Humanos de
1969, vigorando internacionalmente desde 18.7.1978, e ratificada pelo
Brasil em 25.9.1992, internalizada pelo decreto da Presidência da
República do Brasil de 6.11.1992 (…)
Revolução Francesa de 1789, a garantia de exercício das liberdades, realce
dado à livre comunicação do pensamento e de opinião, foi erigido em
ponto nuclear do sistema(…)
No espaço do direito internacional regional, essa mesma garantia de
liberdade está prevista na Convenção Americana de Direitos Humanos de
1969, vigorando internacionalmente desde 18.7.1978, e ratificada pelo
Brasil em 25.9.1992, internalizada pelo decreto da Presidência da
República do Brasil de 6.11.1992 (…)
E na Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia, de 2000,
se tem, no art. 11:
“Liberdade de expressão e de informação
se tem, no art. 11:
“Liberdade de expressão e de informação
1. Todas as pessoas têm direito à liberdade de expressão. Este
direito compreende a liberdade de opinião e a liberdade de receber e de
transmitir informações ou ideias, sem que possa haver ingerência de
quaisquer poderes públicos e sem consideração de fronteiras.
direito compreende a liberdade de opinião e a liberdade de receber e de
transmitir informações ou ideias, sem que possa haver ingerência de
quaisquer poderes públicos e sem consideração de fronteiras.
2. São respeitados a liberdade e o pluralismo dos meios de
comunicação social”.
comunicação social”.
No direito brasileiro, a liberdade de pensamento e de expressão
foi, desde a primeira Constituição – a Carta de Lei de 25 de março de
1824, outorgada como Constituição do Império -, contemplada como direito fundamental, de maneira mais ampla ou mais restrita.
foi, desde a primeira Constituição – a Carta de Lei de 25 de março de
1824, outorgada como Constituição do Império -, contemplada como direito fundamental, de maneira mais ampla ou mais restrita.
A história brasileira não foi livre de intempéries. De arroubos de
poder e arrombos nas Constituições, nem sempre se pode expressar o
pensamento livremente, como previsto nas normas. A liberdade foi
desafio e conquista incessante. No Brasil como em qualquer parte do
mundo. É um registro, não uma queixa. Liberdade não é direito acabado.
É uma peleja sem fim. Mais que tudo, no Brasil ainda se está a construir o
processo de libertação, mas então se cuida de processo sócio-político,
respeitante à história da coletividade.(…)
poder e arrombos nas Constituições, nem sempre se pode expressar o
pensamento livremente, como previsto nas normas. A liberdade foi
desafio e conquista incessante. No Brasil como em qualquer parte do
mundo. É um registro, não uma queixa. Liberdade não é direito acabado.
É uma peleja sem fim. Mais que tudo, no Brasil ainda se está a construir o
processo de libertação, mas então se cuida de processo sócio-político,
respeitante à história da coletividade.(…)
O Brasil nunca teve carência de bons (às vezes ótimos) textos
constitucionais e legais. O de que sempre se ressentiu foi de dar a eles
cumprimento integral, para que a confiança de sua efetividade jurídica
garantisse ao regime democrático a segurança jurídica dos cidadãos,
finalidade estatal e social a se cumprir.
A censura é, com frequência, lembrada em relação ao ilegítimo e
perverso atuar ilegítimo do Estado. Prática comum em regimes
autoritários ou totalitários, não é, contudo, exclusividade do Estado. Mas
a censura permeia as relações sociais, propaga-se nas circunstâncias
próprias da vida. A censura recorta a história, reinventa o experimentado,
pessoal ou coletivamente, omite fatos que poderiam explicitar a vida de
pessoa ou de povo em diferentes momentos e locais. Censura é repressão
e opressão. Restringe a informação, limita o acesso ao conhecimento,
obstrui o livre expressar o pensado e o sentido. Democracia deveria
escrever censura com s em seu início: semsura…
constitucionais e legais. O de que sempre se ressentiu foi de dar a eles
cumprimento integral, para que a confiança de sua efetividade jurídica
garantisse ao regime democrático a segurança jurídica dos cidadãos,
finalidade estatal e social a se cumprir.
A censura é, com frequência, lembrada em relação ao ilegítimo e
perverso atuar ilegítimo do Estado. Prática comum em regimes
autoritários ou totalitários, não é, contudo, exclusividade do Estado. Mas
a censura permeia as relações sociais, propaga-se nas circunstâncias
próprias da vida. A censura recorta a história, reinventa o experimentado,
pessoal ou coletivamente, omite fatos que poderiam explicitar a vida de
pessoa ou de povo em diferentes momentos e locais. Censura é repressão
e opressão. Restringe a informação, limita o acesso ao conhecimento,
obstrui o livre expressar o pensado e o sentido. Democracia deveria
escrever censura com s em seu início: semsura…
O direito de ser informado concerne àquele que recebe o teor da
comunicação, tornando-se ator no processo de liberdade crítica e
responsável pelas suas opiniões e, a partir delas, de suas ações. Liberdade
desinformada é algema mental transparente, porém tão limitadora
quanto os grilhões materiais. A corrente da desinformação não é visível,
mas é sensível na cidadania ativa e participativa. Afinal, como em Brecht,
o pior analfabeto é o analfabeto político. O direito de ser informado é a
garantia da superação do analfabetismo político. (…)
comunicação, tornando-se ator no processo de liberdade crítica e
responsável pelas suas opiniões e, a partir delas, de suas ações. Liberdade
desinformada é algema mental transparente, porém tão limitadora
quanto os grilhões materiais. A corrente da desinformação não é visível,
mas é sensível na cidadania ativa e participativa. Afinal, como em Brecht,
o pior analfabeto é o analfabeto político. O direito de ser informado é a
garantia da superação do analfabetismo político. (…)
A privacidade de quem sai à rua não pode ser considerada
de igual quadrante da intimidade daquele que se mantém guardado em
seu secreto quarto. Nem é que esse não seja objeto de olhares. É que o seu
dormente não abre a janela para resguardo pessoal constitucionalmente
protegido.
As mulheres foram guardadas e silenciadas durante séculos. O seu
silêncio fez a história das sobras histórias que lhes foram reservadas. E
foram contadas, até mesmo depois de sua passagem. Sem isso, não
haveria como por elas e em seu nome lutar.
Os negros foram (em alguns lugares ainda são) segregados. Sem a
narrativa como saber que o sofrimento precisava ser sanado e superado?
E como poderiam eles autorizar a grafia de vidas constrangidas e
silenciadas?
Nem se lembrem os ditadores e tiranos de sempre… sem a biografia,
que eles jamais autorizariam, não haveria como saber história, pois a
oficial estampa medalhas no peito e peitos bem passados em camisas de
força nos adversários.(…)
de igual quadrante da intimidade daquele que se mantém guardado em
seu secreto quarto. Nem é que esse não seja objeto de olhares. É que o seu
dormente não abre a janela para resguardo pessoal constitucionalmente
protegido.
As mulheres foram guardadas e silenciadas durante séculos. O seu
silêncio fez a história das sobras histórias que lhes foram reservadas. E
foram contadas, até mesmo depois de sua passagem. Sem isso, não
haveria como por elas e em seu nome lutar.
Os negros foram (em alguns lugares ainda são) segregados. Sem a
narrativa como saber que o sofrimento precisava ser sanado e superado?
E como poderiam eles autorizar a grafia de vidas constrangidas e
silenciadas?
Nem se lembrem os ditadores e tiranos de sempre… sem a biografia,
que eles jamais autorizariam, não haveria como saber história, pois a
oficial estampa medalhas no peito e peitos bem passados em camisas de
força nos adversários.(…)
Sim, leis temos, é preciso que sejam cumpridas. Assim como a notória e indiscutível jurisprudência e a melhor doutrina jurídica. Em ação cível movida contra esta jornalista pelo ex-vereador Gervásio Morgado, o juiz do Juizado Especial do Idoso de Belém nem se deu ao trabalho de verificar se eram verdadeiras as alegações, concedeu liminar sem ouvir a outra parte, mandou apagar todas as publicações, e ainda condenou ao pagamento de indenização de R$10 mil por danos morais (!). Por sua vez, a Turma Recursal, sem sequer examinar a veracidade das alegações – pois se tivesse feito, verificaria serem falsas – manteve a condenação, chegando ao cúmulo de negar seguimento ao recurso ao Supremo Tribunal Federal, mesmo sendo matéria eminentemente constitucional e prequestionada desde a primeira instância, o que só o fez em sede de agravo.
Tenho a honra de, em toda a minha vida, só ter sido processada por quem tentou calar a verdade. Nenhuma mancha, por menor que seja! O que não se pode dizer de meus algozes, só confirmando que trilho o caminho certo.
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