“Caríssima Franssinete,
Acabo de receber “alta” do Hospital Porto Dias, onde estive hospedado por três dias. Ainda não recebi o diagnóstico definitivo, mas provavelmente será o óbvio: desleixo. Depois de treze anos de operado de safenas e mamárias, fiz meu primeiro cateterismo. E alguns exames mais. Acho que fui aprovado, não com louvor, é claro, afinal, nunca fui aluno brilhante em qualquer matéria. Sempre passei me arrastando.
Ainda no hospital o Lafayette leu-me tua provocação (ou será convocação?), para a defesa da Reserva da Terra do Meio.
Minha primeira atitude foi desenterrar o machado de guerra. Desenferrujar o escudo e a lança, e acordar o velho Rocinante.
Feito isso veio o desânimo. Que é dos moinhos vento? Pelo menos eles.
Não, minha cara Dulcinéia, eles não mais existem como miragens. São sólidas instituições, cavalgando divisões, panzers tripudiando do nosso pequeno exército brancaleônico.
Eles acreditam que em sua blitzkrieg levarão de cambulhada o que resta da nossa dignidade e capacidade de resistência. A Mata da Pirelli (lembras-te?), Belo Monte e, por fim, a Terra do Meio.
Os parceiros de ontem são os áulicos de hoje. O Poder corrompe.
A esse respeito, há quatro anos escrevi o intróito do meu próximo livro a ser lançado ainda este ano:
A Terra do Meio é o Vale do Rio Xingu, Amazônia, Brasil. Uma região rica, generosa, grande, maior do que a França, cortada por grandes rios. Exuberante e bela. Principalmente muito bela. Terra do Meio, a última trincheira da Amazônia, como a linha Maginot, está caindo. Sem resistência. Petain tem muitos rostos. Desta vez a libertação não vem de fora. O exército que desembarca na Normandia não é aliado. A Terra do Meio apenas conta com raquíticos partisans e curupiras que trocaram os porcos-do-mato para cavalgar rocinantes.
A Batalha da Amazônia está a se travar ali, na Terra do Meio.
A Terra do Meio, tal qual conheci, de perto, na minha infância e juventude, não tinha dono, nem posseiro. Pertencia ao Estado que arrendava para extrativismo, com renovação anual. Lembro-me que era criminoso quem derrubasse uma seringueira ou uma castanheira. Mas de qualquer maneira, esses arrendatários, consideravam-se donos das terras. Acho que era um tal de “Direito Consuetudinário”. Baboseira de mágicos grileiros que se adornavam de cartórios corruptos.
De qualquer maneira se hoje há proprietários, legítimos ou legitimados, há que contestar tal procedimento.
Nossa esperança, cara Franssinete, ainda é o Ministério Público Federal, em torno do qual temos que nos aglutinar. Todos nós. Eu, como velho partisan, e você como jovem guerreira jornalista que é. E gritar boca-de-forno. Não ter pejo de pedir socorro aos inconformados não comprometidos como nós.
No pasarán!”
(Do velho comunista André Costa Nunes, marketeiro, escritor, blogueiro e restaurateur, em defesa da área protegida cuja memória preserva em seus livros).
EXTRA! EXTRA! Por unanimidade, o Pleno do STF negou o Mandado de Segurança 25347, que pedia a anulação do decreto que criou a Estação Ecológica Terra do Meio, localizada nos municípios de Altamira e São Félix do Xingu, no Pará.
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