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No Estado da Nebraska, Estados Unidos, há uma cidade chamada Monowi, com apenas uma habitante de 84 anos, a senhora Elsie Eiler, proprietária de uma lanchonete que vende conveniências aos que raramente passam.

Elsie é a prefeita municipal da cidade que tem o nome de uma flor denominada por indígenas. Quando foi fundada em 1902, possuía cerca de 59 habitantes que aos poucos deixaram o município de 6,3 km2, a procura de empregos.

Nessa cidade existe uma biblioteca cujas chaves ficam com Elsie que também é a diretora, uma escola fechada e uma igreja que o padre de outra localidade se oferece para celebrar a missa. Quando seu marido, Rudy, morreu em 2004 e seus filhos partiram em busca de oportunidades, Elsie permaneceu, passando a vender hambúrgueres e batatas fritas aos viajantes.

Apesar desse isolamento, Elsie esbanja felicidade avisando ao mundo que somos uma grande cidade dentro de outra cidade que pensamos compreender. Vivemos em nossos mundos onde milhões de habitantes convivem, se aproximam e se afastam por uma série de motivos.

Me ponho a pensar nos propósitos que a vida encerra, comparando cidades, habitantes, personalidades, lembrando o primeiro romance do filósofo existencialista Jean Paul Sartre, falecido em 1980: “A Náusea”, que conta a história de um jovem historiador, Antonie Roquetin, que viaja para a Europa e termina por assentar-se em uma pequena cidade da França denominada Bouville.

Nessa cidade começa a escrever diários onde discorre sobre seus sentimentos em relação a sua vida e sua angustia em busca de um sentido. Termina concluindo que a existência humana não possui propósito. Dessa maneira percebe que todos os seus sentimentos culminam em uma sensação maior: a náusea.

Antes desse título, Sartre pensou em denominar essa obra como “Melancolia” pelo que expressa o protagonista da história, demonstrando que a coerência, a percepção e a consciência se relativizam diante dos fatos.

Sozinho, Roquetin é tomado por um desejo de regularidade, de constância, de segurança, mantendo-se perto das pessoas para que a sensação de verossimilhança não se esvazie. Contudo, estando assim, não consegue se homogeneizar na massa que insiste em cultivar as mesmas opiniões e comportamentos, sendo assaltado pelo medo, pela intranquilidade que acompanha o absurdo.

Estamos acometidos pela sensação de náusea, inseguros, pessimistas, maldosos, na estranha força do acaso de nossas cidades amplas e ao mesmo tempo pequenas, habitadas e estranhamente vazias. Somos partes dessa grande náusea em nossas cidades tão populosas, em nossos mundos tão vazios, diferente de Monowi, onde mora Elsie com sua alegria.

Ernane Malato
Ernane Malato é escritor, jurista, humanista, mestre e doutorando em Direitos Humanos pela PUC/SP e FADISP/SP, professor e pesquisador da Amazônia em diversas áreas sociais e científicas no Brasil e no exterior, membro das Academias Paraenses de Letras, Letras Jurídicas, Jornalismo e do Instituto Histórico e Geográfico do Estado do Pará, atualmente exercendo as funções de Cônsul Honorário da República Tcheca na Amazônia.

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