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Hoje, 5 de maio, faz 26 anos da morte de meu pai, Edyr Proença. Partiu mas faz parte diária da minha vida. Para tudo o que me ocorre, lembro dele e suas instruções, avisos. Onde moro, há uma foto que o amigo Luiz Braga tirou. Olho para ela, penso nele e me vem uma saudade profunda e ao mesmo tempo, um orgulho gigante de ser seu filho. Deve haver, bem normal, mas não conheço quem não tenha dele boa memória, mesmo militando no jornalismo esportivo e toda emoção envolvida que move pessoas a dizer ou fazer coisas reprováveis apenas pela paixão descontrolada. Lembro do seu riso, farto, ao final das anedotas que contava. Interpretava os tipos e ao final, no arremate, vinha o riso e alguns tapinhas nas costas dos ouvintes. Aposentado, passava nos finais da manhã em minha sala, no trabalho. Parava tudo e conversava. Às vezes levava amigos com quem havia encontrado para tomar um cafezinho. Quando se foi, muitos deles ainda passavam lá para o cafezinho e lembrar. Comunicou aos filhos que iria passar por uma cirurgia. Um disse que devia ir a São Paulo. Prefiro aqui, com meus amigos todos e a família. Não deu certo. Foi partindo aos poucos. Uma tarde, sozinho na UTI com ele, tomei coragem e toquei seus cabelos, penteando-os. Nunca esquecerei disso. Não era um pai de gestos, beijos, abraços. Tomávamos a benção em datas importantes. Me aproveitei de estar indefeso? Talvez. Mas foi de uma emoção brutal. Um gesto de amor, respeito, carinho, admiração, tudo. Uma semana depois que partiu, meu filho mais velho sonhou que ele mandava dizer que estava tudo bem e que nos acalmássemos. Desceu uma pororoca dos olhos.
Até meus nove anos, talvez, trabalhava demais, manhã, tarde e noite. Minha mãe era a comandante. Mas aos poucos o acompanhei aos campos de futebol onde aprendi tudo. Aos poucos a música nos conquistou e de repente, ele veio também, como se estivesse adolescendo, como nós. Quando aposentou, fui seu primeiro parceiro, nessa volta à música autoral, o que se repetiu outras vezes. Mas agora ele e minha mãe tinham uma agenda cheia, na casa de amigos em incontáveis serestas. Conversávamos sobre tudo. Nunca nos proibiu de nada. Evitou política. Minha mãe também não gostava. O mais velho pediu um samba enredo para o primeiro festival do Quem São Eles. Ganhamos! Já havia gravado um disco. Em Mosqueiro, antes das serestas, havia atividade em casa, quando todos tínhamos de cantar alguma coisa. Sabíamos o repertório antigo dele e ele aprendia as novas músicas. Tinha um jeito especial de manusear o violão, com o queixo colado no corpo e a predileção por “baixarias”, sequência harmônica com as cordas mais graves de ótimo impacto auditivo. Viria mais um disco. Havíamos escolhido as músicas e o arranjador. O desobedeci, uma vez. Já adulto, ainda cursava Engenharia Civil na Ufpa, mesmo imerso em rádio, jornal, livros, teatro, música. Veio o Curso de Jornalismo. Avisei que ia trocar. Me pediu que me formasse e após fizesse o que queria. Não obedeci. Passei em novo vestibular e pronto. Tudo certo. Escrevia crônicas. Ele, também. Comentávamos. O teatro não era sua praia, mas ia a todas as estréias. Gostava de cinema, bang bang. Leu “O Poderoso Chefão” e depois me emprestou. Mas gostava de ZZ7, da espiã Brigitte Montfort. Com o lucro da venda de seu primeiro livro, comprou um computador. Uma luta, mas passou a usar. Veio o segundo. Pedi para escrever sobre o Rádio que viveu. Tinha dúvidas sobre datas, não queria parecer impreciso. Começou a escrever. Alguns capítulos. Poucos. Aí, aconteceu. Enquanto estava no hospital, assumi sua coluna em A Província do Pará, o que me rendeu ser comentarista da Mais Tv sobre futebol, claro. Tudo em sua homenagem. Tudo para ele, sempre. Crianças, líamos os grandes cronistas brasileiros que ele levava nos jornais para casa. Depois ouvimos, assistimos e lemos os seus escritos. Tinha um estilo leve, mas correto, preciso, com opiniões bem defendidas. Como dizia, “opinião não se discute”. Em tempos atuais isso é discutido. Tudo é discutido, hoje. Deu-nos, além de tudo tudo tudo, o equilíbrio com o qual levamos nossas vidas profissionais até hoje. O que contei aqui não é nem a décima parte de tudo. É apenas lembrar desse pai amado e reverenciado que tenho e nele não paro de pensar.

Edyr Augusto Proença
Paraense, escritor, começou a escrever aos 16 anos. Escreveu livros de poesia, teatro, crônicas, contos e romances, estes últimos, lançados nacionalmente pela Editora Boitempo e na França, pela Editions Asphalte. Foto: Ronaldo Rosa

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