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“Essa aluna chegou bem atrasada. Ela bateu na porta da sala de aula, eu abri e notei que ela não estava bem, mas não consegui entender o porquê. Passei álcool na mão dela e senti a mão muito gelada, num dia em que não estava frio para justificar. Ela sentou e abaixou a cabeça na mesa. Eu estranhei e chamei ela à minha mesa. Ela veio e eu perguntei se ela estava bem. Ela fez com a cabeça que estava, mas com aquele olhinho de que não estava. Perguntei se ela tinha comido naquele dia, ela disse que não. Fui pegar algo para ela na minha mochila — porque eu sempre levo um biscoitinho ou uma fruta para mim mesma. Mas não deu tempo. Ela desmaiou em sala de aula”, relata uma professora da rede municipal do Rio de Janeiro em decorrência de um fato que lhe ocorreu com uma aluna de oito anos de idade.

Mesmo que ocorrido no Século II, o tão glorioso império Romano foi um dos maiores da história de toda a civilização; tendo dominado, em seu contexto e época, boa parte do mundo conhecido. Sua composição expandia-se da Península Ibérica (onde estão Portugal e Espanha) até o Oriente Médio. Começou com a nomeação de Otávio Augusto no ano 27 a.C e terminou apenas em 476 d.C: longuíssimos anos de severo renome em todo o Ocidente. Mas a notoriedade, cujo clamor é empreendido neste texto, encontrou o seu fim. Hoje, com a visão do presente, pode-se ver o império Romano como um prédio gigantesco, o qual cresceu tanto que não pode suportar a sua própria magnitude, decaindo por final.

Mas qual foi o motivo da sua queda? Supõe-se os mais diversos: as disputas internas pelo poder, as invasões bárbaras, a divisão entre o Ocidente e o Oriente, o crescimento do cristianismo, uma má gestão, etc. Todavia a que deve ser abordada aqui não está entre as recém citadas. Esta é tão conhecida, entretanto, nunca pensada pelo entendimento coletivo como sendo uma possível causa do desmoronamento de um império em sua totalidade. Como dito, é claro que os motivos foram os mais diversos, mas um de seus principais foi a demasiada fome. Aos poucos, o maior exemplo de força e poder de sua época encontrou tamanha fome, que, não se suportando, derruiu-se por completo.

Voltando ao caso do primeiro parágrafo, a professora ainda disse que realmente ficou muito sensibilizada com essa situação e que, em suas palavras, “é uma fome que a criança mesmo não sabe expressar a urgência (…) E a fome envolve muitas coisas, entre elas também a vergonha”. Um império inteiro ceifou-se pela mesma dor de uma simples criança de oito anos de idade. Eis a contradição: se nem um império soube lidar com tal enfermo, como uma criança poderia? O que aconteceu não é isolado. Professores da rede pública de todo o Brasil contam estórias semelhantes. Os estudantes que não se alimentam sofrem com falta de motivação, dificuldade de aprendizado e apresentam episódios de agressividade com colegas e educadores. Após décadas da queda, o país observa hoje o mesmo problema. No Brasil do não dever para com os seus cidadãos, essas décadas valeram de nada.

Agrava-se esta circunstância, pois, segundo a Associação Brasileira da Indústria de Alimentos (ABIA), em 2020, o Brasil exportou comida para mais de 180 países. Ainda de acordo com a associação, o Brasil é o segundo exportador mundial de alimentos industrializados em volume e o quinto em valor. Além disso, a nação é a segunda produtora e a primeira exportadora mundial de carne bovina. O primeiro sentimento que se tem é o de orgulho para com a república que se vive; porém será se esse é mesmo o sentimento adequado? A diversidade da pátria deixou de ser cultural ou intelectual para ser a da fome. Hoje, vê-se a fome em seus mínimos e mais avançados graus. Quer insegurança alimentar leve? Temos! Quer insegurança alimentar grave? Temos também! Será que deveríamos nos vangloriar de alimentar os outros, embora o alimento aqui seja “escasso”?

Não obstante a grande escala de exportação que beneficia o mercado global, reportagens como “Remédio para fome”, do Tab Uol, que cita inúmeras pessoas que, sem comer, desmaiam em filas de postos de saúde de São Paulo e pedem comida nas consultas, são extremamente frequentes. Permeia, sociologicamente, um fenômeno: solidarizamo-nos com o que acontece lá fora e fechamos os olhos para o que acontece defronte a nós. Não espanta mais que tão amiúde as pessoas morram pois não puderam colocar comida em suas barrigas. Os cenários apontados chocam, porém, em menos de duas semanas, são esquecidos. E se é esquecido diariamente a dor. Amedronta-se os indivíduos só de mencionar tais situações. Afinal, quem liga que, segundo o R7 Educação, por exemplo, o número alarmante de jovens que abandonam a escola, na maioria das vezes por necessidade, chega a 39,1%; ou que, de acordo com a Folha de S.Paulo, em face das chagas da realidade brasileira, quase a metade (47%) dos jovens, se pudesse, deixaria o país? A cidadania deixou de ser um direito para passar a ser um privilégio. A privação dos serviços mais básicos é, quem sabe, o mal – em conjunto com a ignorância e os preconceitos – que mais prevalece no espaço público. Acostumou-se, contudo, com o fato citado: “é assim e não mudará”. Pai e mãe de família fazendo fila pra comprar osso e pé de galinha? “Tristeza. Mas é assim e não mudará”. Criou-se um mecanismo de fuga – decorrente do imoderado acúmulo de notícias trágicas – para sobreviver, tolerando-se o intolerável. O fatalismo tratado para com a fome é o que atinge o seu caráter estrutural. Advoga-se que, tendo em vista que sempre existiu, o problema é tão entranhado na pele do país que não há “salvação”. A lassidão para com um país decente que nunca chegou é um marco ininterrupto na história da população brasileira.

Por conseguinte, o processo civilizatório, de construção gradual de uma nação decente que virá, não perpetua mais hoje o imaginário do residente brasileiro. Ninguém mais se ilude de que o Brasil é o tal “país do futuro”, pois a realidade tende a jogar-nos na cara todos os dias que não, não é; está mais para o país do atraso. Conquanto tristes com a situação, o cansaço é maior. Isso explica a fuga de olhos para com os desastres. É como se todos nós já estivéssemos sepultados e enterrados numa cova profunda. Não importa o que ocorra, se tentamos acordar todos os dias e dar o máximo de si para ajudar os outros ou somente não damos a mínima para os demais, todos nós somos empurrados para um mesmo ponto: a decepção de nossa república. Seja isso, por qual motivo passarei meus dias me importando com essas estatísticas? Deixe-as como são: estatísticas e nada mais; assim pensa milhares e milhares de brasileiros todos os anos.

Apesar disso ser compreensível, tal escapismo do vulgo tem eficácia de uma noz em nossa vida; isto é, serve absolutamente de nada. Não diagnosticar, relatar, confrontar essas barbáries que acontecem dia e noite no país ajuda em nada. E é claro que o seu propósito não é ajudar, mas esquecer. Porém nem em seu propósito primário serve, pois ignorar o problema ou esquecê-lo não fará com que este pare de existir; do contrário, é possível que se acentue. Essas estatísticas deflagariam uma revolta popular em muitos países; e isto, sim, uma revolta ajuda em muita, muita coisa, pois dar-se conta do nível sub humano em que se vive é um primeiro passo na luta contra tal horror. Tomar iniciativa de lutar contra tal é um outro passo. De passo em passo, é inevitável a melhora. O que não pode é aceitar os sonhos estatelados e tapar olhos e ouvidos para a barbárie.

“É PRECISO AGIR – Bertold Brecht (1898-1956)

Primeiro levaram os negros

Mas não me importei com isso

Eu não era negro

Em seguida levaram alguns operários

Mas não me importei com isso

Eu também não era operário

Depois prenderam os miseráveis

Mas não me importei com isso

Porque eu não sou miserável

Depois agarraram uns desempregados

Mas como tenho meu emprego

Também não me importei

Agora estão me levando

Mas já é tarde.

Como eu não me importei com ninguém

Ninguém se importa comigo”

COMO AJUDAR QUEM ESTÁ PASSANDO FOME:

https://www.uol.com.br/ecoa/ultimas-n…

https://g1.globo.com/fantastico/noticia/2021/04/04/ajude-a-combater-a-fome-no-brasil-veja-lista-de-instituicoes.ghtml

https://glamour.globo.com/lifestyle/noticia/2019/10/dia-da-mundial-da-alimentacao-6-ongs-que-ajudam-no-combate-fome-no-brasil.ghtml

https://viagemegastronomia.cnnbrasil.com.br/noticias/conheca-ongs-que-ajudam-no-combate-a-fome-no-brasil-e-saiba-

João Paulo Duarte Marques da Cruz
João Paulo Duarte Marques da Cruz Estudante do Colégio CEI, apaixonado por literatura, cinema e política. E-mail katrinadmc@hotmail.com

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