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Enquanto a população brasileira “se bate” para enfrentar a alta sufocante no preço dos combustíveis, o governo federal amplia sua arrecadação com a cotação internacional do petróleo, potencializada pelo real desvalorizado frente ao dólar. Só nos últimos três anos, a União acumulou mais de R$ 123 bilhões com royalties e participações especiais da produção de petróleo no país, bônus de assinatura pelo direito de exploração de áreas do pré-sal e a distribuição dos lucros crescentes da Petrobras, da qual é a maior acionista. Estados e municípios que abrigam atividade petrolífera também faturam alto com royalties. Entre 2019 e 2021, governadores tiveram reforço no caixa de R$ 59,5 bilhões e prefeitos, de R$ 37,5 bilhões, além de R$ 6,8 bilhões arrecadados por fundos especiais e mais R$ 11,7 bilhões com a divisão do bônus de assinatura do leilão de áreas do pré-sal de 2019. O estranho é que ninguém vê alterações estruturais nem melhoria do IDH – Índice de Desenvolvimento Humano. Ao contrário: a pandemia acentuou a situação de extrema miséria.

Não é difícil imaginar o porquê de tanta dificuldade para acabar com a indexação. O lucro do governo é recorde. Quanto maior a cotação do petróleo e do dólar, maior é a arrecadação de royalties — cujas alíquotas variam de 5% a 15% do preço de venda do barril — e os lucros da Petrobras. Considerando apenas as participações governamentais na produção de petróleo, a arrecadação nos últimos três anos é cerca de 70% maior que nos três anos anteriores nas três esferas de governo. E a tendência é de que os ganhos sigam aumentando neste ano, com a nova disparada da commodity no mercado internacional, por causa da tensão na Ucrânia.

Na semana passada, o barril do tipo Brent chegou a ser negociado acima dos US$ 95. Relatórios de bancos e analistas preveem que, em pouco tempo, ultrapassará os US$ 100, no maior patamar desde 2014. Analistas esperam que o balanço de 2021 da estatal, que será divulgado nesta quarta-feira (23), contabilize lucro na casa dos R$ 100 bilhões, o melhor resultado da história da empresa. Foram R$ 75 bilhões nos nove primeiros meses do ano.

Também ajuda a arrecadação do setor público o aumento da produção de petróleo nos campos em águas ultraprofundas do pré-sal, que têm alta produtividade. Ou seja, o custo de extração por barril é mais baixo que a média do setor, o que amplia ainda mais a margem de lucro. A Petrobras bateu recorde de produção no pré-sal em 2021, com média de 1,95 milhões de barris de óleo equivalentes por dia, volume correspondente a 70% de toda a sua produção anual, de 2,77 milhões de barris diários. E o governo federal é o maior beneficiado. Nos últimos três anos, recebeu cerca de R$ 30 bilhões somente em dividendos da estatal, que de 2022 e 2026 pretende pagar entre US$ 60 bilhões (cerca de R$ 307,2 bilhões) a US$ 70 bilhões (R$ 358,4 bilhões). A União receberá 28,67% (sua fatia no capital da empresa) do total, o que pode chegar a US$ 20 bilhões.

Devem entrar para o caixa do governo, neste início de ano, os bônus pagos pelas petroleiras que arremataram as áreas de Atapu e Sépia, no pré-sal da Bacia de Santos, no leilão realizado em 2019, estimados em R$ 3,4 bilhões. Outros R$ 6 bilhões irão para estados e mais R$ 1,7 bilhão para municípios. Os ganhos extraordinários do setor público — que também arrecada mais com os impostos que incidem sobre os combustíveis — alimentam propostas em discussão no Congresso para usar parte deste dinheiro para amenizar o impacto do repasse dos preços internacionais para os derivados, que turbinam a inflação e pesam no bolso da população, que compra feijão e botijão e paga passagens de ônibus e barcos e cuja maioria absoluta está desempregada ou em postos de trabalho mal remunerados.

Em janeiro, o preço máximo do litro da gasolina ultrapassou os R$ 8 pela primeira vez na história. Pesquisa em postos feita pela Agência Nacional do Petróleo (ANP) aponta alta de cerca de 50% no período de um ano. E ainda se espera novo reajuste porque, segundo cálculo da Abicom (que reúne importadores de combustíveis), a defasagem dos preços das refinarias da Petrobras em relação aos do exterior chegou a 13% na semana passada.

O governo federal propôs zerar tributos federais que incidem sobre combustíveis (Cide, PIS e Cofins) com a contrapartida dos estados em relação ao ICMS. Mas não teve acordo. O Congresso discute alternativas, que incluem o uso de royalties do petróleo, dividendos da Petrobras e até uma taxação da exportação de petróleo para bancar programas de subsídios ao consumidor, mas a ideia divide opiniões. Especialistas calculam que subsidiar o diesel de empresas de transporte público urbano e caminhoneiros e o gás de famílias de baixa renda pode custar entre R$ 15 bilhões e R$ 20 bilhões por dois anos, menos que a Petrobras pagou em dividendos em três. Mas se governo e Congresso fizerem alguma burrada, o câmbio pode neutralizar o subsídio que for dado ao zé povinho, seria o mesmo que dar com uma mão e tirar com a outra, prática perversa que vem sendo largamente utilizada, aliás.

O petróleo caro significa inflação mais alta. Diversos países da Europa e os EUA estão fazendo ações de redução de imposto e políticas sociais para evitar que o problema prejudique a economia. Mas no Brasil impostos e preços da comida seguem altos e a sensibilidade social rente ao chão. Petrobras, governo federal, estados e municípios faturam, e a sociedade voltou ao mapa da fome.

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