
Alguém aí conhece, já provou ou ouviu falar em kanhapyra, puxirana, uruá, araru, meleque, xamiuwuawa? Pois esses e mais 250 itens da cultura alimentar tradicional amazônica integram o projeto CATA – Cultura Alimentar Tradicional Amazônica, uma cartografia da cultura alimentar ancestral e identitária da floresta, na definição do Instituto Iacitatá Amazônia Viva, que o realiza em parceria com povos originários e tradicionais para a conservação da sociobiodiversidade amazônica, desde 2009, e foi premiado este ano pelo governo federal no edital Amazônia Cultural.
A equipe é composta por Carlos Ruffeil, músico, cozinheiro e coordenador de expedições; Rao Godinho, fotógrafo especialista em cultura da Amazônia, o fotógrafo Emiliano Boccato, prêmio Year Best Book de fotografia em gastronomia; Marcos Hermes, um dos maiores fotógrafos do cenário artístico mundial, que tem entre seus principais trabalhos Stevie Wonder, Paul McCartney e Djvan, entre outros; a fotógrafa e artista visual Sylvia Sanchez; e a realizadora cultural, representante da região norte do Slow Food Brasil e liderança nacional pelo reconhecimento da comida como cultura, Tainá Marajoara. Além do núcleo, o projeto é formado por uma rede de mais de duas mil pessoas, entre jornalistas, pesquisadores, apoiadores, parceiros, agitadores culturais e guias locais, agricultores, indígenas, comunidades tradicionais, vaqueiros, lideranças comunitárias e sociedade civil organizada, que participam ativamente da construção do processo.
Carlos Ruffeil realça: “É comum observar nas falas sobre gastronomia que se deixa de lado o ser humano produtor, o guardião de conhecimento, os mestres de cultura popular como se a comida aparecesse por si só no meio de um prato. Nosso trabalho é também fortalecer o mestre da cultura alimentar, o ancião, as guardiãs da cozinha indígena.” E Tainá complementa: “Uma das mais sensíveis experiências que vivemos foi com os Assurini do Trocará, um povo de sabedoria milenar, guardiões de saberes ancestrais muito valiosos para a sobrevivência do homem e da natureza. As sábias palavras do cacique Kamiramé e do liderança Poraqué nos tocaram profundamente o coração. Foi um intenso aprendizado sobre a vida.”
Em junho deste ano, o Museu do Marajó recebeu um manuscrito do período colonial em que está relatado o preparo da Kanhapyra, tucupy e muito de nossa cultura alimentar indígena e artesanatos e joias em tucumã.
Outra forma de contribuição direta a essas comunidades é quando alguns produtos ou preparos identificados com potencial de mercado são trabalhados a partir do comércio justo e conectados diretamente ao movimento Slow Food Internacional, presente em mais de 170 países e 200 mil associados, para qual o Projeto CATA irá fornecer conteúdo ao guia global Slow Food Planet, uma espécie de Wikipédia de Alimentos e turismo, em parceria com o Google.
Sabores exóticos desconhecidos até mesmo pela grande maioria dos paraenses estão sendo resgatados pelo projeto. O “Mingau de Mucajá” de Ourém, em 2009, foi identificado como cultura em risco de desaparecimento e desde então a Iacitatá busca meios de protegê-lo e divulgá-lo. “Seu Vavá” é vendedor e mestre da cultura alimentar, último guardião dessa sabedoria indígena Tembé. A dedicação de sua família em manter viva a tradição fez desse alimento patrimônio cultural, identitário e atrativo turístico da cidade parauara de Ourém.
Por corresponder aos princípios de alimento bom, limpo e justo, o mingau de mucajá, com sua história e risco de desaparecimento, foi incluído oficialmente na Arca do Gosto, o maior projeto mundial de defesa da sociobiodiversidade, realizado pelo movimento Slow Food, fundado na Itália, por Carlo Petrini.
Até o final de 2014, também já estão na agenda Cachoeira do Arari, Soure, Salvaterra, Anavianas e Afuá no Marajó; Santarém e Flona Tapajós; Flota-Paru, no Jari, Santarém Novo e uma volta à aldeia Assurini.