Marco no combate à violência de gênero no Brasil, a Lei Maria da Penha (Lei 11.340/06), que completa 18 anos neste 7 de agosto, foi sendo aprimorada desde a sua criação, agregando mecanismos que ajudam a promover a segurança da mulher agredida e da sua família. Medidas protetivas de urgência para as vítimas, criação de delegacias e juizados especializados de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher, Casas-abrigo, Centros de Referência da Mulher e critérios diferenciados no processo de divórcio são alguns dos avanços que fazem a diferença. Mas, desgraçadamente, a violência contra a mulher ainda está presente em todos os níveis sociais, econômicos e culturais, inclusive no ambiente de trabalho. Esta violência não se limita à agressão física, mas também abrange violências cotidianas, mascaradas por comportamentos considerados normais, que resultam em abusos e microagressões. “Ouvi de uma juíza que a outra colega deveria se comportar como homem durante a audiência para evitar que os advogados falassem mais alto do que ela”. O depoimento, chocante, feito à Amatra8, é de uma magistrada do Tribunal Regional do Trabalho da 8ª Região (PA-AP), sediado em Belém, e revela que em todos os ambientes e classes sociais a violência grassa.
Divulgada em fevereiro deste ano, a 10ª edição da Pesquisa Nacional de Violência Contra a Mulher, feita pelo Observatório da Mulher Contra a Violência e o Instituto DataSenado, indica que menos de um quarto das brasileiras (24%) conhece bem a Lei Maria da Penha e aponta que 30% das mulheres já sofreram algum tipo de violência doméstica ou familiar provocada por homem. Nos últimos quatro anos, mais de dois milhões de ocorrências relativas à violência se materializaram em ações judiciais. Recentemente, foram sancionadas duas novas leis que reforçam o suporte e o acolhimento às mulheres vítimas de violência. Agora elas têm o direito de serem atendidas em local que respeite sua privacidade e restrinja o acesso de terceiros não autorizados, principalmente o agressor. E as que sofreram violência doméstica e precisam de cirurgia plástica reparadora têm direito ao atendimento prioritário entre casos de mesma gravidade.
As medidas protetivas de urgência são essenciais para evitar que a mulher e os filhos continuem expostos a riscos enquanto outras questões familiares, como a guarda dos filhos, divisão de bens e pensão alimentícia, são resolvidas. A lei tem um enfoque interdisciplinar, obrigando o Estado a atuar em conjunto com a sociedade civil para oferecer suporte psicológico, social e jurídico às vítimas. Isso reforça a importância de os direitos da mulher dentro da família serem considerados direitos humanos.
A Lei Maria da Penha é uma ferramenta poderosa no combate à violência doméstica e tem impacto profundo no Direito de Família. Ela promove uma mudança cultural e institucional necessária para construir uma sociedade mais justa e segura. Os processos de divórcio envolvendo situações de violência doméstica sofreram modificações significativas. Uma das principais é a priorização da proteção da mulher e de seus filhos. Quando a violência é constatada, o juiz pode determinar medidas de urgência, como a concessão da guarda dos filhos à mulher, a proibição de visitas do agressor e a fixação de alimentos provisórios. A lei também facilita a separação imediata do casal, sem a necessidade de cumprir prazos ou etapas adicionais, como o período de separação de fato.
Em situações nas quais o agressor utilizou o patrimônio familiar de maneira abusiva, a vítima tem direito a uma partilha mais favorável ou mesmo a indenizações por danos materiais e morais. A lei não só protege a integridade física e emocional da mulher, mas também assegura seus direitos patrimoniais. Em alguns casos, a mulher também poderá ter direito a pensão alimentícia, especialmente se ela estiver temporariamente impossibilitada de prover seu próprio sustento devido às consequências da agressão, como perda de emprego ou necessidade de tratamento psicológico.
A violência psicológica é definida como qualquer ação que cause dano emocional e diminua a autoestima da vítima: ameaças, humilhações, manipulações e outras ações que afetam a saúde mental e emocional da pessoa. A violência patrimonial é caracterizada por qualquer ato que cause perda, diminuição ou destruição de bens, recursos ou valores da vítima. Isso inclui a destruição de propriedades, a subtração de dinheiro e bens pessoais ou controle abusivo sobre os recursos financeiros da vítima. A lei embasa o bloqueio de contas bancárias ou a devolução de bens tomados de forma abusiva. Ordens judiciais podem garantir que a vítima tenha acesso aos recursos necessários para sua manutenção e a de seus filhos.
Apesar dos avanços, ainda existem muitos desafios, tais como a necessidade de maior capacitação dos profissionais que atuam na rede de proteção, desde policiais até juízes, a fim de que possam aplicar a lei de maneira sensível e eficaz. Além disso, é importante que a sociedade continue a combater a violência e a discriminação contra as mulheres, garantindo que elas exerçam seus direitos de forma plena.
Por fim, mas não menos importante: não são apenas os companheiros que podem ser enquadrados na Maria da Penha. Pode ser em relação materna/paterna e filial, entre avós, irmãos, enteados, amigos e variadas situações. Para o enquadramento, a vítima deve ser mulher, independente de orientação sexual e o delito deve ocorrer no âmbito da unidade doméstica, familiar e existir qualquer relação íntima de afeto entre as partes. Muitas mulheres deixam de registrar ocorrência por pensarem que não terão crédito, mas a palavra da mulher, nesses casos, tem maior relevância.
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