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É grave, muito grave, o que o delegado da Polícia Federal Alexandre Saraiva sustenta em suas redes sociais, com base nas investigações da PF: que uma das razões para a ineficácia da atuação da Funai e do Ibama na proteção da Amazônia é o apoio de políticos às organizações criminosas. Ex-superintendente da PF no Amazonas afastado do cargo no ano passado pela coragem de peticionar à Procuradoria Geral da República para que instaurasse processo contra o então ministro do Meio-Ambiente Ricardo Salles, Saraiva mencionou expressamente nomes, sobrenomes e respectivos cargos dos que denuncia: Zequinha Marinho (PL-PA), Messias Pereira de Jesus (PSD-RR), Telmário Mota (PROS-RR), Jorginho Mello (PL-SC) e Carla Zambelli (PSL-SP). Mas não há vestígio de qualquer providência do Ministério Público Federal. Nem do Congresso Nacional, onde estão encastelados os políticos apontados. 

“O que pega é a cobertura política dos criminosos […] boa parte dos políticos tem a região Norte no bolso. Eu tenho aqui uma coleção de ofícios de senadores dos diversos estados da Amazônia que mandaram para o meu chefe dizendo que eu estava ultrapassando os limites da lei. Teve senador junto com madeireiro me ameaçando.  Ou seja, temos uma bancada do crime”. 

Tentando se justificar, o senador Jorginho Mello divulgou que sua iniciativa “foi única e exclusivamente direcionada a solucionar um problema voltado a empresários catarinenses e que as madeiras foram liberadas com o aval da Policia Federal e do Ibama”. Carla Zambelli, presidente da Comissão de Meio Ambiente da Câmara Federal, participou de muitos encontros com fazendeiros e grileiros durante a gestão de Ricardo Salles, em que reivindicavam menor ação da PF na extração ilegal de madeiras na região e, não por acaso, indignados com a atuação do delegado Alexandre Saraiva. Ela postou comentários nas redes sociais ironizando as denúncias.

Em nota, o senador Zequinha Marinho, que é pré-candidato a governador do Pará, disse que “não compactua com atos criminosos e não irá tolerar difamação, calúnia ou qualquer ataque à sua imagem, seja de quem for”. Assim como seus pares, Zequinha ameaçou processar o delegado, que respondeu a ele pelo Twitter: “Me processe Senador… Só não esqueça do previsto no parágrafo 3º do Art. 138 do Código Penal: Exceção da verdade” (sic). 

Há exatamente um ano, em 15 de junho de 2021, a ministra do Supremo Tribunal Federal Cármen Lúcia determinou que a Justiça Federal do Pará e do Amazonas suspendessem processos relacionados com a Operação Handroanthus, que desmantelou esquemas de comercialização de madeira extraída ilegalmente da Amazônia. Ela acatou o pedido feito pela Polícia Federal para que o STF concentrasse todas as investigações da operação, até porque o STF já investigava Ricardo Salles e o presidente afastado do Ibama, Eduardo Bin. No documento, a PF alertava que decisões de primeira instância não estavam devidamente fundamentadas e beneficiavam os investigados. “É fundamental o reconhecimento da conexão entre a notícia-crime contra o Ministro do Meio Ambiente, senador da República e presidente do Ibama com a Operação Handroanthus. Isso porque ambas as investigações compartilham provas, pois os agentes políticos atuam no sentido de assegurar a impunidade dos investigados pela Polícia Federal, valendo-se, para tanto, de seus cargos de alto escalão do Poder”. A PGR havia apresentado notitia criminis contra Salles, denunciando que o ministro tentou atrapalhar a apuração da maior apreensão de madeira da história do Brasil, na Operação Handroanthus, da PF, em dezembro de 2020: mais de 43 mil toras de madeira ilegal, totalizando 131 mil metros cúbicos, ao longo dos rios Mamuru e Arapiuns, na divisa do Pará com o Amazonas, o equivalente a mais de 6,4 mil caminhões lotados de carga. O recorde anterior de apreensão de madeira também foi no Pará, durante a operação Arco de Fogo, em 2010, quanto foram apreendidos 64,5 mil metros cúbicos de madeira na reserva extrativista Renascer.

Zequinha Marinho apareceu em um vídeo em janeiro de 2020 xingando agentes do Ibama de “servidores bandidos e malandros”, após operação que apreendeu cerca de 5 mil litros de combustível clandestino na Vila Mocotó, da região Assurini, entre Senador José Porfírio e Anapu, no sudoeste do Pará. Marinho também acusou os agentes de queimarem abusivamente carros e casas durante a ação, que teve apoio da Polícia Militar e Corpo de Bombeiros Militar do Pará. Pelas redes sociais, ele classificou as ações como “truculentas” e contou ter levado o caso ao presidente do Ibama. Em março deste ano, articulou para que garimpeiros que atuam de forma clandestina em áreas do Pará fossem recebidos em ministérios e pedissem para barrar a atuação de agentes do Ibama e da Polícia Federal.

“A investigação penal é dever jurídico do Estado e constitui resposta legítima do ente estatal ao que se contém na notícia do crime. A indisponibilidade da pretensão investigatória do Estado impede que os órgãos públicos competentes ignorem o que se aponta na notícia, sendo imprescindível a apuração dos fatos delatados, com o consequente e necessário aprofundamento da investigação estatal e conclusão sobre o que é noticiado”, escreveu a ministra Carmen Lúcia, no ano passado. 

Vale lembrar que o ex-ministro Ricardo Salles foi alvo da Operação Akuanduba, também da PF, autorizada pelo ministro do STF Alexandre de Moraes, que causou a queda de Salles do Ministério. Apura se há facilitação para a exportação ilegal de madeira do Brasil para os Estados Unidos. Como ele perdeu o foro especial, o processo tramita na Justiça Federal do Pará. A origem da madeira suspeita? Reservas florestais no município de Altamira.

Aliás, a Operação Handroanthus até hoje repercute no Pará. Decisão da lavra do juiz Antonio Carlos Campelo causou conflito de competência entre a 4ª Vara Federal Criminal da Seção Judiciária do Pará e a 7ª Vara Federal da Seção Judiciária do Amazonas, julgado pelo Tribunal Regional Federal da 1ª Região (TRF-1) favorável ao Amazonas. De férias, o juiz federal revogou entendimento do magistrado em exercício que no mesmo dia havia declinado da competência em favor da Justiça do Amazonas. Determinou a prisão e multa de R$ 200 mil a cada policial envolvido, suspendeu o inquérito policial em relação à MDP Transportes Eireli, e ainda mandou devolver três balsas e um empurrador, além da madeira, bens e documentos apreendidos. A empresa é sediada no distrito de Icoaraci, em Belém, e teve caminhões com toras de madeira apreendidos em 18 de novembro de 2020 na divisa do Pará com o Amazonas, após laudo da PF do Amazonas detectar irregularidades na área denominada fazenda Imbaúba I, localizada em Juruti (PA), de onde a madeira teria sido extraída. Campelo foi afastado em dezembro de 2021 pelo CNJ – Conselho Nacional de Justiça.

Na época, o Sindicato dos Policiais Federais do Amazonas divulgou nota concluindo que “desta feita, esta entidade sindical manifesta profunda honra e orgulho pela atuação heróica e incansável dos policiais federais envolvidos na investigação, que não se deixaram intimidar pelas furtivas manobras dos representantes das organizações criminosas, pautando suas ações na defesa abnegada da floresta amazônica, no direito das futuras gerações pela manutenção das riquezas advindas das nossas matas e rios.”

Na cúpula do G-20 em outubro do ano passado, em Washington, relatório do Grupo de Ação Financeira contra a Lavagem de Dinheiro e o Financiamento do Terrorismo (Gafi/Fatf), revelou que os crimes ambientais estão na lista dos que mais geram lucros. Os ganhos variam de 110 bilhões a 281 bilhões de dólares por ano no mundo, a maior parte na América Latina. As estimativas de lucros dos criminosos são da Interpol. As três áreas de foco – crime florestal, mineração ilegal e tráfico de resíduos – representam 66%, ou dois terços dos valores. O Gafi destacou que os crimes ambientais causam dramáticos impactos na saúde e segurança pública, segurança humana e desenvolvimento social e econômico. Também alimentam a corrupção e convergem com outros crimes graves, como o tráfico de drogas e o trabalho forçado.

No Brasil, só com o aumento das áreas desmatadas na Amazônia de 2012 a 2015, os grileiros lucraram R$300 milhões, conforme levantamento do Instituto do Homem e do Meio Ambiente da Amazônia (Imazon).

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