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O Estado Brasileiro, marcado pela permanência da violência contra militantes da reforma agrária e outros setores, de novo foi julgado pela Corte Interamericana de Direitos Humanos, desta feita pela impunidade do assassinato do advogado Gabriel Pimenta, defensor dos direitos dos trabalhadores rurais no Pará.

O advogado Rafael Pimenta, irmão da vítima, apresentou o caso à Corte de Direitos Humanos da OEA, com apoio da Comissão Pastoral da Terra (CPT). Estava muito emocionado ao relatar a militância de Gabriel em prol dos posseiros da região do Araguaia-Tocantins, durante três anos, até a sua execução, em 1982, em Marabá, com três tiros pelas costas, aos 27 anos, quinze dias após vencer uma questão judicial para 150 famílias de lavradores e ser jurado de morte pelos grileiros.

A AGU, via Departamento de Assuntos Internacionais, apresentou suas alegações junto com representantes do Ministério das Relações Exteriores e do Ministério da Mulher, Família e Direitos Humanos, sustentando a inocência do Estado brasileiro. Houve também o depoimento de um perito representando os familiares de Gabriel Pimenta, que falou sobre a tramitação do processo, e um perito indicado pela Comissão Interamericana para falar sobre medidas de não repetição. O advogado José Batista Afonso representa a família da vítima. O governo brasileiro prepara agora as alegações finais escritas, que deverão ser enviadas no prazo de um mês à Corte, que deverá exarar a sentença até dezembro deste ano.

O irmão de Gabriel contou que a família contratou cinco advogados, mas todos abandonaram o processo, temiam pelas próprias vidas. “A polícia encerrou as apurações do caso de Gabriel em 72 horas e o Ministério Público e Poder Judiciário demoraram 21 anos para a conclusão, sendo que o júri popular nunca aconteceu. Em pelo menos dez ocasiões, o Ministério Público e os juízes demoraram um ano para se manifestar nos autos. Oito anos após a execução do meu irmão, quando fui a Marabá, soube que o pedido de vista dos advogados dos assassinos, que deveria durar cinco dias, durou dois anos. O processo criminal encerrou sem condenar ninguém”, denunciou.

Convocado como perito pela Corte Interamericana, o advogado e professor de Direito Penal Rui Carlo Dissenha detalhou as falhas processuais: “A citação por edital do acusado, necessária porque ele estava desaparecido, levou dois anos e três meses. Curiosamente, em determinado momento – dia 13 de março de 1986 -, o próprio escrivão informou que se tornara sogro de um dos acusados, o Marinheiro. Outro escrivão, responsável pelo outro cartório que poderia atuar, informa que se tornara, com aquele casamento, primo do mesmo acusado”, descreveu Dissenha. “Importante reiterar que juiz ou promotor nada fizeram diante da demora ou das suspeitas que poderiam pairar sobre a atuação dos escrivães. Apenas reiteraram, mecanicamente, os pedidos não cumpridos”, complementou o advogado.

Ao longo das quatro décadas desde o assassinato de Gabriel Pimenta, a família chegou a ganhar na Justiça do Pará uma causa por perdas e danos. Mas houve recurso e o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) decidiu extinguir o processo.

O advogado José Batista Afonso, da CPT, pediu a condenação do Brasil não só para reparação à família da vítima, mas para que se evite crimes parecidos. Lembrando que de 1982 a 2020 nada menos que 1.837 camponeses ou defensores do direito à terra foram assassinados no Brasil, e que destes, 880 foram no estado do Pará, afirmou que “no Brasil e principalmente na região amazônica os donos de terra não detêm apenas grande poder econômico, mas também fortes influências nos Poderes Legislativo, Executivo e Judiciário, razão pela qual a impunidade prevalece em quase todos os casos em que fazendeiros são acusados de serem mandantes de crimes. A impunidade funciona como uma espécie de licença para matar. A violência tem sido usada como forma de dominação para manter a concentração de terra, a acumulação de riqueza nas mãos de poucos e a exclusão social dos camponeses”.

Lucas Arnoud, advogado do Centro pela Justiça e o Direito Internacional (CEJIL), seguiu na mesma linha. “Como esta Corte já reconheceu, a impunidade incentiva a repetição de outro ato do mesmo tipo. E o caso de Gabriel Sales Pimenta não foi um fato isolado, mas sim parte de um contexto em que a impunidade é a regra e que não se encerrou na década de 80, permanecendo até os dias atuais”.

Além dos assassinatos por encomenda dos deputados estaduais Paulo Fonteles, em 11 de junho de 1987, e de João Carlos Batista, em 6 de dezembro de 1988, nos últimos quarenta anos o Pará registra 29 massacres, no qual tombaram 152 pessoas. Na chacina da Ubá, em São João do Araguaia, oito trabalhadores rurais foram mortos. Na fazenda Princesa, cinco camponeses foram executados com requintes de perversidade: alguns tiveram as cabeças decepadas e os corpos jogados no rio. Ambos os processos tramitam há 21 anos. Já no episódio ocorrido em Goianésia do Pará, o processo desapareceu e ninguém sabe, ninguém viu. No mesmo dia, em 19 de junho de 1985, em Conceição do Araguaia, foram perpetradas as chacinas dos Irmãos (seis pessoas) e Surubim (17 pessoas). Exatamente um mês antes (19 de maio de 1985), na Fazenda Ingá houve 13 vítimas, também em Conceição do Araguaia, e nenhuma delas sequer teve processo. Recentemente, a chacina da família de ambientalistas em São Félix do Xingu: o pai, Zé do Lago, a esposa Márcia Nunes Lisboa e a filha, Joane Nunes Lisboa, adolescente de 17 anos, continua sem resposta.

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