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Cinema, Circuitos de Exibição e o Público

O circuito alternativo de exibição cinematográfica, que democratiza o acesso do espectador presencial às salas de cinema em todo o país, é uma das opções para ir além do conforto proporcionado pela exibição via streaming e a previsibilidade repetitiva dos filmes exibidos no circuito comercial.

O circuito alternativo requer programação regular para formar e manter plateias. Quando não segue programação de forma contínua, gera afastamento do público que frequenta tanto o circuito alternativo quanto os espectadores mais atentos do circuito comercial. É o efeito de esvaziamento para filmes que não suprem a demanda dos percentuais considerados razoáveis pela lógica cinema, custo e benefício do circuito comercial (os cinemas localizados nos shoppings da cidade).

Em Belém, o quadro chama atenção pela ausência de exibição de filmes lançados nacionalmente em 2023, o que evidencia o descaso das grandes cadeias de exibição do circuito comercial que operam na cidade, as quais priorizam o acesso de produções de consumo rápido e que dão maior probabilidade de boa bilheteria.

É só observar as produções que passaram bem longe dos cinemas de Belém esse ano: “Tar”, de Todd Field; “Triangulo da Tristeza”, de Ruben Östlund; “Beau tem Medo”, de Ari Aster; e “Medusa”, de Anita Rocha da Silveira. E todos os filmes do Festival Filmelier exibidos em Manaus e Palmas, o que inclui: “Blue Jean”, vencedor do prêmio do público no Festival de Veneza 2022; “Tesla – O Homem Elétrico”, com Ethan Hawke; “Sem Ursos”, do diretor iraniano Jafar Panahi (perseguido por protestar contra o regime ditatorial no Irã); e “Herói de Sangue” (protagonizado e produzido por Omar Sy e uma das maiores bilheterias de 2023 na França).

A justificativa para o exibidor do circuito comercial em Belém não exibir filmes com maior diversidade de estilos e de outras nacionalidades que fogem à regra do cinema hollywoodiano e das comédias ligeiras da Globo Filmes, é que o público simplesmente não comparece como deveria, não responde às expectativas de manter o custo operacional de uma exibição e que atualmente esses filmes podem ser baixados e pagos na exibição doméstica/digital.

Por outro lado, o mesmo circuitão é suscetível às críticas de baixa qualidade de projeção (muito escura), sons que invadem a sala contígua e a falta de uma programação dedicada a conquistar e conservar novas audiências, como é o caso cada vez mais raro de exibições especiais na última sessão da noite.

Formação de novos espectadores é também investimento para aglutinar outros usuários disponíveis a sair de conforto da exibição por streaming para o ritual de ver filme em uma sala de cinema e a relação mágica que se dá ao se deixar levar na hipnose consciente gerada pela tela grande.

Cinema é uma das artes mais importantes do século XX e XXI pelo poder de visibilidade e alcance cultural para uma arte que já nasceu industrial e que agora transita pela fruição das novas tecnologias, com desafios regionais para inserção no mercado globalizado e monopolizado ao mesmo tempo; mercado ainda marcado por interesses de grandes corporações nas operações de distribuição de filmes na América Latina.

Os anos de pandemia paralisaram a produção de realizadores, políticas públicas de apoio e fomento ao setor audiovisual e outras áreas estratégicas da cultura nacional. Que os novos ventos de reconstrução da sociedade como um todo sejam fortes e eficazes para o setor audiovisual (ampliação da diversidade de produção e consumo de filmes locais, nacionais e internacionais) e a cultural em geral.

José Augusto Pachêco
José Augusto Pachêco é jornalista, crítico de cinema com especialização em Imagem & Sociedade – Estudos sobre Cinema e mestre em Estudos Literários – Cinema e Literatura. Júri do Toró - 1º Festival Audiovisual Universitário de Belém, curadoria do Amazônia Doc e ministrante de palestras e cursos no Sesc Boulevard e Casa das Artes.

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