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A aparente imagem anárquica do Carnaval é mais uma quimera do que percepção plena. Em tempos democráticos, regras são estabelecidas para manter a ordem e a segurança pública, obviamente. E durante as ditaduras os mecanismos de controle estatal atravessaram décadas de olho no tema “Liberdade”, onipresente nos sambas-enredo.

O rico acervo do Arquivo Nacional, em parte disponível on line, tem toda a documentação do Serviço de Censura e Diversões Públicas produzida entre 1964 e 1988. São processos para a liberação de filmes, comerciais de rádio e televisão, cinema, peças teatrais, novelas e até croquis de fantasias e carros alegóricos, estandartes, adereços, alegorias, letras de sambas-enredo e marchinhas carnavalescas. Na foto ilustrativa, um desenho de fantasia do inocente bloco “Samba como pode” para o carnaval de 1983, submetido à avaliação do Serviço de Censura e Diversões Públicas, órgão federal de fiscalização responsável pela pauta de costumes – dos meios de comunicação, do entretenimento e das artes.

O controle e a censura atuavam através da exigência de autorização para liberação (ou não) dos blocos, sociedades e escolas de samba. Como tanto a classe média quanto a classe operária frequentavam os ensaios e desfiles, a vigilância era justificada pela necessidade de impedir que disseminassem ideologias “subversivas” através da participação de artistas, estudantes e comunistas, que junto com os sindicatos eram alvos das investigações da polícia política devido às suas manifestações contrárias ao regime militar.

Assim, a criação, por exemplo, de uma ala de estudantes militantes do PT na Portela foi causa de averiguações da PF, DOPS, CISA e CENIMAR, em janeiro de 1970. Confiram o relatório:

“Consta que as Escolas de Samba da Guanabara estão sendo sondadas por estudantes de esquerda, que pretendem infiltrar-se naquelas Agremiações com propósitos subversivos, visando conscientizar os operários a tomar posição contra o Governo da Revolução. Em princípios tais elementos estão sendo rechaçados pelos sambistas, que não querem se envolver em política. Os jovens citados apresentam-se nas escolas, pretendendo sair nos desfiles de carnaval integrando as chamadas Alas dos Estudantes. Coleção-Setor: Secreto/ Caixa: 411/ Série-Pasta: 74/ Folha: 76 – Centro de Informações da Marinha. Em, 19/11/1970. APERJ).”

As fichas sintéticas, dossiês e prontuários que fazem parte do acervo do Arquivo Nacional de Brasília (Projeto Memórias Reveladas) têm origem na Agência Central de Informações ou na Agência do Estado do Rio de Janeiro, contendo inclusive relatórios enviados ou solicitados pelo Ministério das Relações Exteriores, devido ao cunho internacional, referentes à atuação de escolas de samba junto a partidos comunistas estrangeiros. Vejam:

“Assunto: Apresentação na Europa da Escola de Samba Salgueiro. Festa do Partido Comunista Francês.

Os empresários franceses (…) e (…) contrataram a Escola de Samba Salgueiro para apresentações na Europa (…)

Item 5. A Embaixada do Brasil em Paris informou, em 08/jul/75, que o jornal porta-voz do Partido Comunista Francês “L‟Humanité” anunciou com realce, em sua edição desta mesma data, que a Escola de Samba Salgueiro participará da “Fête dês L‟Humanité” (Festa do Jornal L‟Humanité) e da “Fête dês Libertés” (Festa das Liberdades), a realizarem-se em Paris nos dias 13 e 14/set/75, organizadas pelo Partido Comunista Francês. Item 6. A Embaixada em Paris será instruída no sentido de procurar dissuadir as sambistas do “Salgueiro” de participarem de festas organizadas por comunistas franceses. Contudo, aparentemente a Escola de Samba ainda não partiu do Brasil, o que permitirá aos órgãos de segurança e informações, que atuam no campo interno, dissuadir desde já os sambistas dessa apresentação em favor do POF em Paris, ou de outros comunistas no exterior. (Fundos: Serviço Nacional de Informações/ Comissão Geral de Investigações/ Conselho de Segurança Nacional/ Dossiê: A0874980/ Origem: ARJ- Ministério das Relações Exteriores/ Data da Emissão: 03-09-75. (Arquivo Nacional/DF).”

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