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O bom senso prevaleceu e o governador Helder Barbalho atendeu às reivindicações dos marajoaras: cancelou a concessão das empresas de navegação Arapari e Banav, autorizou que em caráter emergencial a Henvil Transportes opere seus ferry boats com viagens de ida e volta pela manhã e à tarde; autorizou as lanchas “Salmista” e “Atlântica”, ambas com capacidade para 250 passageiros, à operação na linha Belém-Camará, com a obrigatoriedade do cumprimento das gratuidades constitucionais, que jamais foram obedecidas pelas empresas que operavam a rota. Também vai abrir credenciamento para a Bom Jesus e outras empresas de navegação interessadas no trecho. O movimento teve atuação destacada do professor Dário Pedrosa, que soube transmitir com serenidade as exigências populares, embora tomado por muita emoção. Ele rebateu com veemência os boatos nas redes sociais de que estavam fazendo um movimento político. Declarou ser eleitor de Helder, assim como 80% dos manifestantes, e que todos são movidos pela extrema necessidade de impedir que mais vidas sejam sacrificadas. O Marajó acaba de sepultar 22 vítimas do naufrágio da lancha Expresso Dona Lourdes.

A força da indignação uniu o povo do arquipélago, que não aceitou a proposta do governo do Pará de autorizar a lancha “Campeã 5” na linha Belém/Camará, por não atender às necessidades de melhoria com segurança, e também não aceitou que Arapari e Banav continuassem prestando o serviço. Por outro lado, a proposta tinha sido apenas uma nota publicada nas redes sociais, sem garantir a abertura de licitação para a linha. Foi bloqueado o porto da foz do rio Camará até que uma comitiva do governo, liderada pelo secretário de Estado de Transportes, Adler Silveira, se deslocou a Salvaterra para ouvir os justos reclamos. Os manifestantes explicaram ao titular da Setran que o naufrágio ocorrido na quinta-feira passada, 8, não se tratou de episódio isolado e sim de décadas de um transporte precário que já ceifou muitas vidas. Uma sobrevivente declarou ter comprado o seu bilhete de passagem, assim como as demais vítimas, da empresa Banav, e embarcado na lancha sinistrada no porto da empresa autorizada, o que fez cair por terra a alegação de “clandestinidade” e deixou clara a ilegalidade da terceirização da concessão pública. Restou ao secretário informar os fatos ao governador, que de pronto cedeu.

O porto foi parcialmente liberado enquanto o governo do Estado providencia a oficialização do que foi decidido. Ficou ruim para os candidatos: como nenhum político foi intermediar uma solução rápida e pacífica, um recado foi dito ao microfone para que se abstenham de voltar por lá e pedir votos.

Nem a Lei 11.970/2009, criada para combater os acidentes com escalpelamento, obrigando a instalação de proteção no eixo e no volante dos motores estacionários adaptados para a navegação, é cumprida na Amazônia. E esse é apenas um viés de ação para a segurança no transporte de passageiros.

A Arcon não sabe quantas embarcações trafegam, muito menos o número de passageiros, embora os rios sejam as estradas naturais da região, utilizados por 80% da população. Os chamados portinhos, onde atracam os barcos de linhas intermunicipais, tanto na capital quanto no interior do Pará, são um atentado à vida e à dignidade humana. Os usuários são obrigados a se equilibrar em pranchas onde mal cabem os pés, pular de um barco para outro, subir no teto, e correm todo tipo de risco de morte. Para cadeirantes, cegos, idosos e outros portadores de problemas de locomoção, é uma crueldade. O povo é tratado como gado e na chegada e saída a balbúrdia impera, em meio ao transporte alternativo, táxis, ambulantes, ônibus e carretas.

Num círculo vicioso, ninguém fiscaliza e a impunidade estimula péssimas práticas dos donos de empresas, que faturam alto no transporte intermunicipal de passageiros mas não investem para proporcionar conforto e segurança, salvo raras exceções. Embarcações superlotadas, velhas e sem revisão periódica vivem dando “prego” no meio do rio e deixando os usuários à deriva, quando não afundam ou incendeiam e causam tragédias com perdas de vidas.

A maioria absoluta dos passageiros viaja sem dinheiro para alimentação e padece longas horas de jejum pelos constantes atrasos, e nem água potável é oferecida pelas empresas a seus usuários, submetidos a situação humilhante e desumana, em meio a calor torturante e ao balanço do barco que deixa a todos nauseados.

A histórica ineficácia da gestão pública tem ensejado a precária e maciça ocupação da orla fluvial de Belém por dezenas de trapiches que se instalaram em busca de um mercado crescente. O resultado visível é a enorme dificuldade para obtenção de dados estatísticos consistentes, necessários ao planejamento. E causa, sobretudo, o oferecimento de serviços aos usuários sem a devida qualidade – que se refletem no avanço da utilização desse tipo de transporte pelo narcotráfico e pelo tráfico de animais, na insegurança da navegação e na sonegação de impostos.

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2 Comentários

  1. Foi preciso acontecer uma tragédia para mudar essas empresas de navegação?
    Será que essa substituição por outras, vai realmente satisfazer as exigências de segurança que essa rota requer?

  2. Já estava na hora de tirar a mamadeira, oxalá a mudança será realmente pra melhor.
    Esse povo sofrido do marajo merece.

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