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1924. Uma jovem universitária, solteira, e seu professor, casado, apaixonam-se. O lugar: Marburgo, Alemanha.

Amor ardente, tempestuoso, abalando os votos do casamento do filósofo, interrompido, contudo, pelo Nazismo que mudaria aquela ardente relação.

Foram eles, Hannah Arendt e Martin Heiddeger, pensadores insuperáveis do mundo moderno em ramos distintos do pensamento científico-filosófico, separados pela ideologia, mas posteriormente unidos, em 1950, pelo amor, cinco anos após a derrota de Hitler.

O Nacional-Socialismo Alemão (1933 – 1945), justamente o que tanto Heiddeger classificava como um “despertar nacional”, foi exatamente o que forçou a judia, Hannah Arendt, a se exilar nos Estados Unidos, e tornar seu professor – filiado espontaneamente ao Partido Nazista – Reitor da Universidade de Friburgo.

Hannah se tornaria uma das mais famosas pensadoras do pós-guerra e Heiddeger um dos maiores filósofos do século XX. Juntos, se arriscariam num perigoso relacionamento que haveria de marcar uma eloquente aventura, respingando na famosa obra de Heiddeger, lançada em 1927: “Ser e Tempo”. 

Hannah se oporia ao antissemitismo avassalador e Heiddeger apostaria na ascensão do Nacional-Socialismo, levantando-se, intelectualmente, um marco divisor naquela relação emocional, sem deter, porém, as revelações filosóficas que adviriam de cada filósofo.

O eco dessa história escandalosa, por ter havido o reencontro 17 anos após o holocausto, acentuou a vertente mais famosa da relação, digna de reflexão: o amor e a razão, sediando atração, paixão, sexo, fidelidade, infidelidade, união, separação, reencontro, ideologia, reflexão e filosofia.

No espetáculo da vida extemporânea o casal testemunhava um dramático espetáculo de paradigmas envolvendo valores e paixões, amargando a distinção entre amor e razão que a humanidade especularia. Em consequência, entre o casal iniciava os melhores debates filosóficos do século XX que até hoje perduram e desafiam o conhecimento.

Amantes e intelectuais, entre dramas pessoais e dilemas filosóficos, Hannah e Heidegger nos ensinam que o mundo não é tão lógico como pretendemos, tampouco fantasiosamente perfeito, como impomos. Ambos mudaram o mundo, com reflexões que marcaram a história da filosofia, dos direitos humanos e das relações humanas tão banalizadas nos tempos atuais.

No meio de tudo isso, também houve um oceano, uma universidade, uma guerra e perseguições do amargo regime à Hannah que foi presa tendo que fugir do continente europeu –, e à Heiddeger, no pós-guerra, pela França que confiscou sua casa, sua biblioteca, seu tapete e o seu piano. O que restou depois deles? O que fica depois dessa história ente o amor e a razão?

Histórias de amor têm vários sentidos. Em Fedro – diálogo de Platão (seções 246ª -254e) –, a parábola da biga explica a alma e o amor como “divina loucura”. Existe um condutor da biga, puxada por dois cavalos alados, que é a razão – parte da alma que deve guiar o espírito. O cavalo calmo é o impulso moral, o agitado é o irracional. O condutor, impedindo que eles sigam em direções opostas, estabelece o equilíbrio e a coerência, nem sempre equilibrados, nem sempre controlados.

O vivido entre Hannah e Heidegger prestigia em todos os sentidos o amor e a razão, dois pontos importantes no campo das ideias que nos desafia ultrapassar segundo nossa evolução. Nessa relação teórica e afetiva, há uma nota de Hannah dizendo ter “permanecido fiel e infiel, ambas as coisas, com amor”.  

Ernane Malato
Ernane Malato é escritor, jurista, humanista, mestre e doutorando em Direitos Humanos pela PUC/SP e FADISP/SP, professor e pesquisador da Amazônia em diversas áreas sociais e científicas no Brasil e no exterior, membro das Academias Paraenses de Letras, Letras Jurídicas, Jornalismo e do Instituto Histórico e Geográfico do Estado do Pará, atualmente exercendo as funções de Cônsul Honorário da República Tcheca na Amazônia.

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