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Era uma sexta qualquer e ele se preparava para os a farra do weekend. Ouvia ao longe foguetes estourando, mas não imaginava. Até que, ao sair na calçada, notou uma movimentação diferente na casa vizinha ao prédio. Muitos jovens festejando, moças com laços vermelhos, jovens de cabeça raspada, com uma mistura que parecia ovo estalado. Conectou e percebeu a marchinha do Pinduca, tocava no máximo volume. Sorriu e lembrou que realmente, às vezes via dois jovens, um casal, que voltava para casa tarde da noite, com livros debaixo dos braços. Ih, saiu o listão da Ufpa. Veio um chamado. É comigo? Vem pra festa com a gente! Mas é que eu ia… Ia nada. Entra aí que tá todo mundo feliz! Notou que alguns vizinhos do prédio também já estavam na bagunça, cada um com um copo de cerveja. Entrou, encabulado, mas foi logo abraçado pelo pai dos jovens, suarento, sem camisa, mas tomado de emoção. Ficou feliz. Feliz de verdade. É bom prestar atenção nessas conquistas dos jovens. Parabéns! Quais serão os cursos? Ah, Medicina e… Medicina, caraca, parabéns! E o outro vai ser Computação, algo assim que só ele sabe. Muito bom! Que beleza. Logo estava com um copo em mãos e, aqui pra nós, aquela verdinha desceu muito bem. Sentou-se, cumprimentando vizinhos, acompanhando a evolução da rapaziada que chegava cada vez mais em grande número. Notou uma grande mesa com comida farta para um banquete. Vizinho, essa alegria é apenas uma vez na vida! Sirva-se! Não, obrigado, mais tarde, mas está uma mesa linda! Leonor, por favor, mais um copo aqui pro nosso vizinho! Alô mamãe, alô papai! E saiu rodopiando pela sala. Quarenta minutos depois, arriscou uns passos tímidos. Uma guria chegou junto, pegou em sua cintura, rodopiou e o deixou na cadeira, sentado. Ia passando uma bandeja e lá veio outra. Bom, saiu do controle. Duas horas depois era íntimo de todos, ensinava nuances da letra da música do Pinduca, enfim, estava “encharcado”. Quatro horas depois, percebeu, tardiamente, que havia passado do ponto. Muito. Agora respondia às perguntas com grunhidos, gestos abertos e tentava dizer “lavanderia” e não conseguia. Num rasgo de sanidade, decidiu ir embora. À primeira tentativa foi impedido por toda a família. Mas agora que está bom! Mais uma! Mais uma, gritavam. Não há como resistir. Uma hora passou e ele decidiu sair à francesa. Bem, a essa altura ninguém prestava atenção em ninguém. Chamou Uber. Embarcou. O motora puxou papo. Não sabe de onde veio mas danou-se a explicar as teorias da lógica filosofal. Falava rápido e muito. O motora o monitorava pelo espelho. Sacou que estava falando muito, como se tomado por alguma droga. Droga? Claro, né. Talvez batesse uma estranha calma, até que desviou o olhar e gritou: Fofão! Olha o Fofão! Sergio Roberto, o motorista, agora já íntimo, dizia que Fofão? Alá! Alá! O Fofão na rua. Para, para. E saiu para a pista atrás do Fofão, que ia na frente do Caminhão da Furacão. O caminhão da Furacão! Fofão, eu te amo, cratzo! Bem, o rapaz que, coitado, ganhava a vida duramente vestindo aquela fantasia calorenta, assustado com o assédio, saiu correndo. Perseguido. O caminhão, nosso amigo e o Fofão. Enfim, desistiu muito tonto e aportou em um bar de esquina, já lotado de bebuns. Talvez tenha desafiado alguém, que não lembra, talvez tenha irritado a todos, mas o português botequineiro o meteu em um taxi para casa. Acordou olhando assustado sem reconhecer o próprio quarto. Só lembrava do Fofão.

Edyr Augusto Proença
Paraense, escritor, começou a escrever aos 16 anos. Escreveu livros de poesia, teatro, crônicas, contos e romances, estes últimos, lançados nacionalmente pela Editora Boitempo e na França, pela Editions Asphalte. Foto: Ronaldo Rosa

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