Já estão conclusos à relatora no Supremo Tribunal Federal, ministra Rosa Weber, os autos da ADPF 848/DF – Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental, com pedido de medida cautelar, proposta pelos governadores do Distrito Federal e dos Estados de Alagoas, do Amazonas, do Amapá, da Bahia, do Espírito Santo, de Goiás, do Maranhão, do Pará, de Pernambuco, do Piauí, do Rio de Janeiro, do Rio Grande do Sul, de Rondônia, de Santa Catarina, de São Paulo, de Sergipe, do Tocantins e do Acre contra ato da Comissão Parlamentar de Inquérito do Senado Federal – CPI da Pandemia, que convocou os governadores para prestar depoimento. A ministra requisitou informações prévias ao presidente CPI, senador Omar Aziz, e consultou o Advogado-Geral da União, Fabrício da Soller, além do Procurador-Geral da República, Augusto Aras. Todos já se manifestaram, preliminarmente, pelo não conhecimento da arguição e, quanto ao mérito, pela improcedência do pedido. Entendem que é legal e constitucional a convocação de governadores pela CPI da Pandemia porque o objeto diz respeito a esclarecimentos quanto a utilização dos recursos federais repassados.
Os governadores alegam que a convocação para depor ‘sobre suspeitas de desvio de recursos destinados ao combate ao coronavírus em estados e capitais’ por parte da CPI da Pandemia, instaurada pelo Senado Federal, viola o pacto federativo e o princípio da separação dos poderes. Argumentam que o inciso X do art. 49 da Constituição Federal confere ao Congresso Nacional a competência de fiscalizar os atos do Poder Executivo federal. “Já os assuntos relacionados às administrações estaduais somente [poderiam] ser objeto de CPIs instauradas no âmbito do Poder Legislativo local correspondente”. Ademais, o art. 50 da Constituição Federal seria claro, em interpretação a contrario sensu, ao proibir que a Câmara dos Deputados, o Senado Federal ou qualquer de suas comissões convocasse o chefe do Poder Executivo para prestar depoimento. Isso se daria porque o princípio da separação dos poderes proíbe que um poder submeta-se a outro. Pela mesma razão, seria vedada às comissões do Poder Legislativo a convocação de governadores, prefeitos e magistrados para prestarem depoimento. Entendem, ainda, que, “uma vez permitida a convocação de Governadores em CPIs no âmbito do Congresso Nacional, estar-se-ia autorizando uma nova hipótese de intervenção federal no âmbito das gestões administrativas estaduais”.
O presidente da CPI da Pandemia, em suas informações, afirmou que “as investigações congressuais servem a múltiplos propósitos, não se limitando apenas a identificar desvios de condutas e a propor providências de responsabilização”. Segundo ele, as CPIs podem propiciar coleta de informações sobre temas que necessitam de medidas legislativas no futuro; averiguações empíricas para se avaliar como anda a efetividade prática das leis que já existem; retorno mais claro sobre a performance e a conduta de integrantes de órgãos estatais durante suas funções; e apuração de irregularidades, a serem posteriormente remetidas para as providências dos órgãos competentes. Rechaçou o argumento de que a convocação dos governadores vulneraria a autonomia dos estados. Nesse sentido, defendeu que o objeto da CPI é bem delimitado e, quanto à colaboração dos governadores, “circunscreve-se apenas à fiscalização dos recursos da União repassados aos demais entes federados para as ações de prevenção e combate à Pandemia da Covid-19”. Disse inexistir interferência na “gestão administrativa local” e nas competências das assembleias legislativas dos estados. Citou o art. 2º da Lei 1.579, de 18.3.1952, segundo o qual as Comissões Parlamentares de Inquérito podem “tomar o depoimento de quaisquer autoridades federais, estaduais ou municipais”. Valeu-se do princípio republicano para defender que “nenhuma autoridade pública pode se escusar de prestar contas ou de colaborar com a apuração de fatos de relevante interesse público, inclusive e especialmente no âmbito de uma comissão parlamentar de inquérito, cujo objetivo precípuo é trazer soluções legislativas adequadas para os fatos investigados”. Arguiu que os governadores de estado foram convocados pela CPI a prestar depoimento na condição de testemunhas, e não de investigados, o que não colocaria os chefes do Poder Executivo dos estados “em posição de subordinação em relação a qualquer outro poder ou ente federativo”.
Em sua manifestação, o procurador da República chefe do Ministério Público Federal, Augusto Aras, salientou que “o Congresso Nacional, com ou sem o auxílio do Tribunal de Contas da União – TCU, tem competência para fiscalizar a correta aplicação dos recursos federais, mesmo que hajam sido repassados a estados, Distrito Federal e municípios. Consequentemente, no outro polo da relação fiscalizatória, “qualquer pessoa (…) que utilize, arrecade, guarde, gerencie ou administre dinheiros, bens e valores públicos” da União tem o dever de prestar contas. Os governadores de estado e os prefeitos não fogem a essa regra. A sujeição de quaisquer recursos repassados pela União a estados, Distrito Federal e municípios à fiscalização pelo Congresso Nacional é questão pacífica na jurisprudência do Supremo Tribunal Federal. O STF já validou, inclusive, acórdãos do Tribunal de Contas da União que aplicaram sanções diretamente a chefes do Poder Executivo municipal, o que não implica afronta ao pacto federativo. Ao utilizar, guardar, gerenciar ou administrar recursos da União, os gestores estaduais e municipais não atuam na respectiva esfera própria de autonomia dos entes federativos.” Aras frisou, também, que a violação ao pacto federativo ocorreria se a União pretendesse fiscalizar a aplicação dos recursos que a Constituição Federal reserva aos entes subnacionais, e que o depoimento dos governadores não tem como propósito interferir nos assuntos do estado-membro. “Os atos do poder público apontados nesta ADPF, portanto, não violaram nenhum preceito fundamental da Constituição Federal”, concluiu.
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