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Hoje é 31 de janeiro, hoje fecha a Livraria da Fox, um dos longevos casos de amor que Belém viveu com uma livraria. Outro deles, outro BB caso de amor aos livros, Belém viveu por décadas com a Livraria Martins, negócio que permitiu aos meus antepassados imigrar de Portugal ao Brasil para começar a vida ali pela Travessa Campos Sales.

E porque hoje fecha a Livraria da Fox, depois de 36 anos, tive vontade de tomar um sorvete da Gelar, de beber um caldo de cana da Moenda, de almoçar no Lá em Casa, jantar no Augustu’s e quem sabe emendar até o Maracaibo.

E porque hoje fecha a Livraria da Fox, senti vontade de jogar boliche no Chopp House, comer uma pizza no rodízio do Boss, ou quem sabe degustar um Well’s Well’s com Vaca Malhada na famosa lanchonete do Jumbo.

E já que hoje fecha a Livraria da Fox, pensei numa noitada mais ousada, iniciando no Gemini ou no Mistura Fina para terminar no Lapinha, a ouvir o famoso bordão em inglês – “Ladies and Gentleman, good evening…” – com o qual eram anunciados os shows de striptease de gatas exclusivas, sob a produção cheia de brilhos do finado Rudy Star.

E porque hoje fecha a Livraria da Fox, cogitei atravessar de balsa o Furo das Marinhas para ir ao melhor Mosqueiro de todos os tempos, aquele de antes da ponte, onde era permitido dormir de janelas abertas e passear sem medo do Ariramba ao Farol, devorando um saco de pastéis do Oliveira.

E porque hoje fecha a Livraria da Fox, talvez fosse interessante comprar um livro na Jinkings, outro na Ponto & Vírgula, comprar uns discos na Gramophone ou na 33&1/4, ou quem sabe uns sapatos na Leão de Ouro, na Sapataria Batista Campos ou na Carrapatoso.

Com pisantes novos, caberia saracotear no Gato & Sapato, na Signus ou no JB254, quiçá no Quiosque do Mascate, apreciando o pessoal encostar o carro na Doca para ver e ser visto, como diria um colunista social de que me lembrei exatamente porque hoje fecha a Livraria da Fox.

Também por isso me deu vontade de ver um filme no Olímpia ou no Palácio, e depois ir andando até a primeira Cantina Italiana, na Aristides Lobo. De lá, em homenagem ao fechamento da Livraria da Fox, eu pegaria um táxi sem o assento do passageiro só pra sentar no banco de trás, ver o motorista puxar a porta por uma corda amarrada ao morcego e testemunhar o poltergeist da manete do câmbio, a iluminar de vermelho um siri plastificado cada vez que o freio era acionado.

Como a Fox vai fechar, pediria ao chauffeur para me levar ao Iate Clube, ou ao trapiche do Novotel, corrida longa, a me custar uns tantos cruzeiros, cruzados ou cruzeiros novos.

Hoje fecha a Fox. Embriaguemo-nos no Garrafão ou no Corujão, animados pelo som do Guilherme Coutinho, da Banda Sayonara, da Orquestra Orlando Pereira ou quem sabe do Walter Bandeira a desfilar num trio elétrico do Bento Maravilha, sob o estourar de fogos do Bechara Mattar.

Se nos excedermos podemos passar na Drugstore Beirão para comprar Anador, Melhoral ou Vitasay.

Hoje fecha a Fox, hoje mais alguma coisa em Belém deixa de existir para virar lembrança, para virar história, para virar saudade. Hoje fecha a Fox, e por causa disso me lembrei de um versinho do Drummond:

“Por muito tempo achei que a ausência é falta.
E lastimava, ignorante, a falta.
Hoje não a lastimo.
Não há falta na ausência.
A ausência é um estar em mim.
E sinto-a, branca, tão pegada,
aconchegada nos meus braços,
que rio e danço e invento exclamações alegres,
porque a ausência, essa ausência assimilada,
ninguém a rouba mais de mim!”
Albano Martins
Albano Henriques Martins Júnior é paraense, nascido em Belém em 1971. Advogado cursando especialização em Literatura na PUC/RS (EAD). Guarda de Nossa Senhora, foi membro da Diretoria da Festa de Nazaré entre 2014 e 2023, Coordenador do Círio no biênio 2020/2021, os anos da pandemia. Mantém no Instagram uma página recente sobre livros (ler_e_lembrar).

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