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Antes da chegada dos primeiros colonizadores os povos indígenas, parte do tronco Tupi, principalmente os Gibirié e os Mortigura, depois os Aruan oriundos do Marajó, povoaram a região que hoje é o município de Barcarena(PA). A aldeia dos Mortigura coincide com o Território do Conde. Nesse lugar os jesuítas portugueses fundaram a missão religiosa São João Batista de Mortigura, a primeira aldeia da Companhia do Pará doada aos jesuítas, em 1653, por ordem do rei. Estes a transformaram em uma aldeia de repartição, em seguida criaram Mortigura-Nova e, em 1696, já havia nove aldeias com grande número de aldeados. A identidade indígena está presente nas memórias dos moradores das comunidades, em seu cotidiano, nas nominações dos lugares, dos igarapés e nas práticas sociais, conforme o estudo “A Guerra no Território do Conde: comunidades tradicionais, migrantes, estado e empresas na disputa territorial, produzido pelo Grupo de Pesquisa Sociedade, Território e Resistências na Amazônia (Gesterra), da Universidade Federal do Pará, coordenado pelo professor doutor Marcel Hazeu e pela professora doutora Solange Gayoso.

O Gesterra questiona a viabilidade de uma política econômica que não considera o meio-ambiente nem as comunidades que existem no distrito industrial de Barcarena. Só de 2017 a 2021, pelo menos dezoito novos empreendimentos foram instalados no DI: Cevital, Alloys, Atlântica Navegação, Gasen Energia, Guajará Energia, Plena, Barcarena Importação e Exportação de Minérios, Matapi Multimodal, Norte de Operações Terminais, ERIG – Indústria e Comércio de Fertilizantes, AALP – Apoio Logístico Portuário, MS Terraplenagem, Sino-LAC, Polimix, GEN Fertilizantes, Cesari e Fribon.

Os problemas de Vila do Conde remontam a 1977, quando, em plena ditadura militar, foi desapropriada via decreto presidencial uma área de 4.356 ha. em vasto polígono no município de Barcarena, incluindo uma área registrada como propriedade da prelazia de Abaetetuba, onde fica o Território do Conde, com todas as famílias que tradicionalmente moravam e ainda moram lá. O ato nunca foi revisto ou revogado, mesmo após a redemocratização do Brasil.

De 1979 a 1985 foram desapropriadas 513 famílias, das quais 192 eram residentes em comunidades localizadas no Conde: 73 em Tauá, 52 em Ponta Grossa, 39 em Vila do Conde, 28 em Pramajó e 17 em São Joaquim. Em 1984, a população local, de pouco mais de 20 mil habitantes, recebeu de repente 12 mil trabalhadores nos canteiros de obras das multinacionais. Os pescadores, extrativistas e agricultores não estavam preparados para mudar de profissão e de estilo de vida. E a promessa de empregos aos nativos ficou só no discurso das empresas e do governo. No máximo, os moradores foram chamados a roçar e desmatar as áreas.

Barcarena estava inserida no projeto de desenvolvimento da Amazônia incialmente como polo do alumínio, mas na década de 1990 vieram investimentos portuários-industriais pautados na exploração de caulim em Ipixuna do Pará e São Domingos de Capim, além da bauxita lavrada em Oriximiná. Aproveitando a infraestrutura e as vantagens geográficas e fiscais, as indústrias se instalaram em Barcarena, em áreas já destinadas oficialmente para atividades industriais-portuárias, mas que eram habitadas e estavam arroladas em processos de desapropriação. Ao longo dos anos, também ganhou importância no escoamento de outras commodities, como gado vivo e soja.

Os dados levantados por Hazeu (2015) indicam que 2.582 famílias – ou dez mil pessoas – foram forçadas a sair de suas moradias. As ações de deslocamentos compulsórios são permanentes no Território do Conde. A cada nova empresa interessada em se instalar o cadastramento/remanejamento se repete. Três comunidades, em diferentes períodos, foram totalmente expulsas: Tauá, Montanha e Dom Manoel. A de Montanha, na beira do rio Pará, próxima à boca do rio Dendê, onde se instalou o Terminal Portuário Ponto da Montanha, foi desapropriada no ano de 1993. As famílias ali residentes foram forçadas a se deslocar duas vezes pela Imerys, empresa francesa de exploração de caulim e pela CDI/Codec, de Montanha para Curuperé (1993), de Curuperé para Nova Vida e Massarapó (2004).

A lei nº 6.665/1979 autorizou o Executivo a constituir a Companhia de Desenvolvimento de Barcarena (Codebar), cujos acionistas eram o Estado do Pará e o município sede, com participação majoritária da União. Tinha por finalidade a execução e a administração de obras e serviços de urbanização em área destinada ao assentamento humano de apoio à instalação e ao funcionamento do complexo industrial metalúrgico local. Competia à Codebar a aquisição, alienação, locação e arrendamento de imóveis destinados à habitação, comércio, indústria, serviços e preservação de recursos naturais. O regime jurídico era aquele aplicável às sociedades anônimas e era vinculada ao Ministério do Interior, cujo ministro titular nomeava os membros do Conselho de Administração, da Diretoria e do Conselho Fiscal, assim como os respectivos suplentes. Os demais membros eram indicados pela Superintendência do Desenvolvimento da Amazônia (Sudam), Ministério dos Transportes, Estado do Pará e município de Barcarena.

O decreto n. 86.417/1981 alterou a denominação do Programa Especial de Desenvolvimento Regional ̶ Infraestrutura do Complexo Alumínio Albras-Alunorte, que passou a Programa de Apoio ao Complexo Industrial de Barcarena, transferindo a administração e acompanhamento de sua execução para o âmbito da Secretaria de Planejamento da Presidência da República, à qual ficou vinculada a Codebar. Pelo mesmo decreto, a legislação pertinente ao Programa Grande Carajás se tornou aplicável aos empreendimentos integrantes do Complexo Industrial de Barcarena.

Incluída em janeiro de 1997 no Programa Nacional de Desestatização, a Codebar foi dissolvida e liquidada sob a supervisão do Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão. Coube à Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional convocar assembleia geral de acionistas para esse fim. Ao mesmo tempo foi instituído o Programa de Desligamento Incentivado (PDI). O processo de liquidação foi encerrado em 1º de junho de 2010 e assim declarada extinta a Companhia. Houve então a transferência dos documentos referentes ao patrimônio imobiliário para a Superintendência do Patrimônio da União no Pará (SPU-PA); documentos atinentes ao pessoal foram ao DEST; e documentos da administração geral para o Arquivo Nacional.

Na década de 1980, a antiga Companha de Desenvolvimento Industrial vendeu áreas dentro do distrito em Barcarena. As primeiras foram para a Imerys (enquanto a CDI estava em liquidação), sem registro de licenciamento ambiental. A sucessora Companhia de Desenvolvimento Econômico do Pará (Codec) não fez licenciamento ambiental do distrito, já obrigatório por lei. Nunca as multinacionais que ali foram se estabelecendo se submeteram a auditorias ambientais, nem existiu um plano de ordenamento da área em relação ao tipo de empresa, proteção de nascentes, garantia de direitos da população local, infraestrutura. Os sucessivos desastres, as violentas desapropriações e a poluição não diminuíram a expansão e a chegada de novas gigantes.

O distrito industrial é habitado por centenas de famílias que vivem em permanente risco e jamais foi concebido algum plano destinado ao bem-estar das comunidades tradicionais. Os impactos sociais e ambientais se acumulam.

“Ninguém tem o mapa de Barcarena. Se eu perguntar assim da Vila do Conde até o Arienga, essa aqui área toda do Torre ali, alguém tem um mapa na sua casa? Não, né? Nós não temos. Hoje até nas escolas é difícil de fazer um trabalho para usar o mapa de Barcarena porque é difícil de encontrar o mapa de Barcarena. A prefeitura, o governo do Estado, eles fazem alguns mapas da nossa região e alguns desses mapas que são feitos inclusive não têm. Teve um mapa oficial, por exemplo, feito no município, que diz assim: nessa região aqui só tem morador na Vila do Conde. Tem mapa oficial do governo que diz isso, só tem morador na Vila do Conde. Não existe Canaã, não existe Curuperé, não existe Torre, não existe o Acuí. Essas comunidades todas que estão representadas aqui não aparecem, aparece Vila do Conde. […] Aí nós temos essa proposta de criar um mapa da nossa região, mas não um mapa governamental, onde o que nesse mapa aparece – quando a prefeitura, quando o Estado, quando as empresas mandam fazer um mapa da região -, o que tem no mapa é assim, Conde e as empresas, é isso. Se você perguntar onde é que vai ser instalado, que querem instalar a Cevital? Lá no mapa tem. Onde é a TGPM? Tem no mapa. Mas, onde é a roça do fulano de tal? Onde é a casa do senhor? Aí lá no mapa não tem, não existe isso”. (Roberto Rodrigues, em Oficina Cartografia Social do Gesterra, Barcarena, 30 de junho de 2018).

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