Publicado em: 5 de maio de 2025
Meu amigo, o escritor Marcelo Mirisola, disse uma vez: “Ficcionistas, cuidado! A realidade é uma adversária!”. Nunca me esqueci. Lembrei disso assistindo a um dos jornais de tv. Em qualquer dia é a mesma coisa. São como boletins policiais. Muito mais do que isso, são registros de assassinatos. Gente sendo agredida, recebendo tiros, arrebentada por carros. Assistimos tudo graças à nossa sociedade imagética e às milhares de câmeras que flagram nosso dia a dia. Antes, havia uma certa ética em não mostrar cenas como essas, terríveis. Seres humanos sendo mortos, suas mortes documentadas mundialmente. Mas na concorrência dos dias de hoje, tudo é atropelado em favor da audiência. Lembrei agora daqueles jornais especializados em crimes e em manchetes explosivas. Tonzé dizia, para espremer e deixar o sangue correr. Imagine agora, o que o bardo diria. Quando comecei a me entender, as emissoras de rádio AM tinham seus programas policiais, barulhentos, sons de sirenes e locutores trágicos divulgando crimes. Achava que a audiência provinha exatamente dos lares de menor situação sócio econômica e os ouvintes ouviam para confirmar que não era ninguém conhecido ou até para louvar a morte de bandidos que estivessem perturbando a vizinhança. À essa altura, nas televisões, no máximo havia crimes em filmes, onde todos sabíamos, eram apenas autores. Sam Peckinpah foi um dos primeiros a fazer cenas espetaculares com efeitos especiais de corpos humanos atingidos por balas. Charles Bronson tinha sempre pentes com mil balas para acertar e não ser atingido. Nos jornais, ao lado de notícias da política, havia sempre reportagens sobre nossos artistas que lançavam discos, livros, filmes e outros produtos. Tínhamos a ilusão de um mundo, digamos, normal. Depois, uma vez escrevi, após o Jornal Nacional, deveríamos sair “de gatinhas” do prédio, nos abrigando atrás de carros, para não sermos vítimas de franco atiradores, balas perdidas, um tanque de guerra mais desatento, tanta a violência mostrada seguidamente. Piorou. As emissoras com menor público e atingindo diretamente a classe sócio econômica mais baixa, mergulharam nesse mundo. A câmera nervosa, subindo os morros ou alagados, o repórter ofegante ao ter de reportar e correr com os policiais para registrar confrontos. Arsenais de guerra descobertos e principalmente, as cenas. As câmeras flagrando, impunemente, seres humanos, quase sempre pessoas de bem, baleadas, agredidas covardemente, rolando pelo chão em estertores que impressionariam até Nelson Rodrigues. E tudo em qualquer horário, para qualquer criança ou pessoas mais sensíveis assistirem. Não tenho esperanças que melhore. Vai piorar ainda mais. A situação dos palestinos, ucranianos, sudaneses. Os brasileiros vitimados pelo tráfico e assaltantes. Presidentes de direita assumindo e tomando decisões imbecis. É isso que as pessoas, que votaram em maioria, desejam? Sou jornalista, felizmente nunca tive de trabalhar na área policial. Sei das leis de mercado e também das decisões profissionais que se deve tomar no dia a dia tão concorrido dos meios de comunicação. Seria necessária muita coragem para encarar uma mudança, como uma colaboração à paz na sociedade. Neste momento, não acredito. Alguns poderão dizer que, como escritor, também colaboro para o ambiente. Não acho. Sou ficcionista, enfrentando a realidade em que vivemos. Sou ficcionista e em meus livros, há suficiente argumento para refletir sobre as causas dessa violência toda. Tenho coragem suficiente para pedir paz.
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