Comecei a ler um livro de crônicas do grande João do Rio, jornalista e escritor que reinou na antiga capital no começo do século XX. Dândi, mulato, gay, driblava todos os preconceitos da época ao escrever de maneira magistral, com um grande charme e inteligência. Chegou até à ABL. Morreu cedo, de enfarte, aos 32 anos. Uma de suas crônicas me fez pensar sobre o nosso dia a dia, no século XXI. Sobre a chegada do automóvel ao Brasil. O grande José do Patrocínio foi o segundo a ter um carro, naturalmente importado, no Rio de Janeiro. Um escândalo. As pessoas paravam para ver passar e lembrei agora do filme de Federico Fellini, “Amarcord”, em que um motociclista em alta velocidade atravessava a cidade, como que rompendo épocas. Bem, o carro de Patrocínio, dirigido por Olavo Bilac, por imperícia do bardo, chocou-se com uma árvore, até então, apenas mais um vegetal a acompanhar a novidade.
João escreve sobre a chegada da velocidade em nossas vidas. Da facilidade em ir daqui para ali em pouco tempo, o que nos trouxe uma sensação de melhoria, de modernidade, afetando todo o mundo naqueles dias. A partir daí, ter um carro virou símbolo de poder e sucesso. Se perguntassem por uma moça e dissessem que ela tinha ido passear de automóvel com fulano, já era quase casamento. Os tílburis passaram a ser execrados, sobretudo os que deles ainda faziam uso. Ainda não era nascido quando os primeiros automóveis chegaram a Belém. Sei que fomos os primeiros ou quase isso a usar bondes elétricos. Vi fotos de um carro que era de meu avô, bem bonito. Lembro que uma tia, passando pela Serzedelo Correa e desejando entrar na Brás de Aguiar, pediu à sua acompanhante que descesse e fosse ver se vinha algum carro em sentido contrário. Os primeiros edifícios da cidade não tinham garagens. Como assim? Não se pensava em futuro? E nós sabemos o que passamos, hoje, no trânsito. Em muitas outras cidades, várias ações vieram para facilitar o trânsito da comunidade, como metrôs, linhas de ônibus, metrôs por superfície, na tentativa de fazer as pessoas levarem menos tempo no transporte para poder trabalhar ou estar no convívio de suas famílias. Não podemos, em Belém dizer isso. Nosso trânsito é péssimo e não acredito tão cedo em alguma melhora. O automóvel ainda é uma medida de poder e sucesso em nossos dias. Nossa cidade tem um tecido civilizatório esgarçado, em todas as classes sociais. E vivemos sob a ditadura do celular. O meu bugou, como dizem. Ainda vou levá-lo ao conserto. Fiquei completamente isolado. Meu relógio ainda recebeu recados e ligações, mas o celular parou de enviá-las. Minha ansiedade aumentou. O celular passou a nos fiscalizar, a mandar em nossas vidas. Não há mais horário de trabalho a respeitar. A qualquer momento somos requisitados. Os plim plins de mensagens de milhares de sites e podcasts que assinamos, não nos deixam ficar sem saber se uma senhorinha tropeçou e caiu em uma rua afastada de Adis Abeba, por exemplo. Jogos de futebol constantemente avisam sobre gols e outros. O pior é que assinamos e pagamos por isso. Agora é a febre de bets, que ninguém se preocupou e virou gigante. Talvez, sem celular por mais dias, diminuísse a minha ânsia por notícias. Afinal, dois dias se passaram e o mundo não acabou. Mas, jornalista e radialista, virei viciado em news. Antes, lia jornais daqui e de fora, que chegavam ao fim da tarde em Belém. Hoje, nas telas. Nada escapa. Nossa vida documentada em milhares de câmeras. E sites que por qualquer motivo abandonamos, ficam mandando mensagens tipo “onde está você? Não quer voltar? Foi essa pressa que empurrou o mundo, desde o automóvel, por exemplo? Acho que apenas emburreceu a todos. Agora sabemos de tudo superficialmente. Ninguém lê artigos longos explicando os acontecimentos. Tudo fica muito raso, mas se demorar mais de dois minutos, há uma sensação de perda de tempo. Se pensarmos bem, que tempo é esse. Às vezes, corremos mais de carro para chegar logo. A diferença entre ter ido em marcha normal será de dois, cinco minutos? Para quê?
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