Publicado em: 10 de maio de 2025
O transporte hidroviário no Pará é vergonhoso, malgrado nossas estradas sejam primordialmente os rios. Belém, assim como a maioria absoluta do território paraense, dispõe de fartos cursos d’água que deveriam ser aproveitados para integração regional, nacional e até internacional, estimulando novos negócios, o turismo e barateando o frete, além de reduzir a poluição ambiental e o número de acidentes. Geraria empregos e renda, proporcionando vida digna aos parauaras.
O Pará precisa de terminais hidroviários bonitos, seguros e que ofereçam viagens rápidas, pontuais e confortáveis. Nossos rios são nossas ruas e essa frase não pode ficar só na poesia e nas canções, precisa ser internalizada nas políticas públicas, pensada e vivida administrativamente.
A secular distorção da matriz de transporte – aliás em todo o Brasil mas desgraçadamente mais acentuada na Amazônia, por óbvio – privilegia a indústria do asfalto, dos ônibus e seus componentes. A febre do rodoviarismo impôs a derrubada inclemente de milhares de árvores para a chegada do “progresso”, que sempre fica para um amanhã indefinido. Enquanto isso, as cidades estão áridas, engarrafadas, cada vez mais calorentas e a população enfiada como gado em ônibus e barcos velhos, sujos, desconfortáveis, que incendeiam ou dão pane em plena viagem, deixando os usuários sob o sol ou a chuva, além de ainda mais vulneráveis aos assaltos. O caso do BRT é absurdo, a obra começou sem sequer uma proposta de sistema das linhas circulares dos ônibus, sem planejamento.
Evidentemente, são necessários terminais de integração para fazer com que o transporte hidroviário dê certo na região metropolitana de Belém, pelo menos em Ananindeua, Icoaraci, Mosqueiro, Arthur Bernardes, UFPA, Ver-o-Peso, portos da Palha, Feira do Açaí, porto do Sal e diversos outros menores. O número de embarcadouros clandestinos na orla de Belém, antros de bandidagem, tráfico, descaminho e contrabando – a polícia sabe disso – é alarmante. A fiscalização é utopia, bem como o projeto orla, literalmente jogado às traças. Belém tem que retomar o conceito de res publica, toda a história do município é marcada pela apropriação por particulares do patrimônio público. É, ainda, questão de saúde e de segurança pública transportar passageiros e cargas em locais específicos.
Em 2009 foi desenvolvido por pesquisadores da Universidade da Amazônia e da Universidade Federal do Pará o Projeto de Demanda Potencial e Formação de Rede Rodofluvial na Região Metropolitana de Belém (D-Fluvial), apontando o transporte hidroviário como uma das alternativas para desafogar o trânsito na capital. Resultou, ainda, na elaboração de um banco de dados. Qualquer ser pensante que conheça Belém sabe que a utilização racional dos rios tiraria as ilhas do isolamento e melhoraria em muito o trânsito na capital. Imaginem ferry-boats transportando carros, motos, bicicletas e pedestres de Belém para toda a região metropolitana e também entre suas ilhas. Quem não preferiria fazer uma travessia apreciando a bela paisagem ribeirinha, ao invés de perder horas no caos das estradas e ruas, sem falar em tantas vidas ceifadas precocemente? O projeto já existe e só precisa de atualização para ser implantado. As tecnologias avançaram e muito. Já existem até barcos voadores. Paradoxalmente, os ex-prefeitos Duciomar Costa, Zenaldo Coutinho e Edmilson Rodrigues tentaram, sem sucesso.
Hoje (10), o prefeito Igor Normando inaugurou novas lanchas climatizadas, que passam a operar no itinerário Cotijuba/Icoaraci a partir deste domingo (11), com dez viagens diárias e capacidade para atender mais de dois mil passageiros. A medida, sem dúvida, representa avanço significativo na mobilidade fluvial. As novas lanchas oferecem poltronas acolchoadas e ar-condicionado e fazem o percurso em 20 minutos. A tarifa do transporte nos dias de semana, de segunda a sexta, permanece R$ 4,60. Aos finais de semana e feriados, é R$ 9,60.
“A partir do que for apresentado, vamos pensar em ampliar o serviço e possivelmente adotar o modal para a implantação do sistema de transporte fluvial, que foi uma promessa de campanha. Uma nova embarcação que vai favorecer os moradores, mas também potencializar o turismo da ilha”, disse Igor Normando. Todos os que moram em Belém torcem por isso, caro prefeito.
O intenso movimento de todos os portinhos da cidade faz parte de uma teia de mobilidade com o interior, sobre a qual inexistem estudos. É preciso mapear o comércio atacadista de Belém, sua vocação de centro regional e relação com o hinterland. A questão é complexa e mesmo os órgãos ditos competentes ainda não conseguiram ao menos dimensioná-la. Expedem resoluções dando prazos para todos os portos serem modernizados e ficarem em condições mínimas, especificadas nas normas. Aí ficam prorrogando, a pretexto de que é apenas o que dá para fazer.
O território continental de Belém é menor do que o insular. Pensar a mobilidade e o bem-estar da população é um imperativo.
Imagens: Bruno Nobre
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