O filme Pedro Páramo é um poema onírico audiovisual que flui para além da própria história de violência e de desmandos do personagem homônimo. A película é dessas obras que conduzem a memória desta margem da realidade para a outra margem de um rio caudaloso e extenso. É lá do
outro lado que as imagens guardadas em um mosaico ganham novos sentidos, como se o outro depósito de águas, o vasto mar além da vida, este, sem a outra margem, ganhasse significados estéticos próprios.
O filme mexicano, baseado na obra de Juan Rulfo, é costurado pelo mote de uma estranha telemaquia. É dirigido por Rodrigo Pietro, e adaptado diretamente do livro homônimo escrito por Juan Rulfo e lançado originalmente em 1955.
A narrativa fragmentada e mágica se desenvolve a partir da viagem de Juan Preciado, após a morte de sua mãe, até Comala. O lugar sombrio guarda todos os tempos idos, retalhados da memória daqueles que foram vítimas do pai de Preciado: Pedro Páramo.
A narrativa também conta uma trama de poder e desmando que corre em paralelo, para narrar a ascensão violenta e despótica de Páramo ao poder, sob o signo do horror e de sua influência financeira, impondo o seu domínio sangrento sobre a vida dos locais em diferentes etapas da vida de Páramo.
A Comala que recebe Preciado é uma transição polifônica entre a vida e a morte. Se fosse um texto, seria um palimpsesto de histórias sobrepostas, porém, coexistentes. A narrativa ocorre em um tempo-espaço não naturalistico ou até relativístico.
O efeito estético da excursão maravilhosa de Preciado pelo papiro de memórias de Comala é de uma melancolia literal, no sentido de pura bílis negra vertida sobre a tela, conduzindo o espectador para um zigue-zague narrativo expressando um Doppler de dor, rebatido pelas paredes mudas e solitárias de Comala.
A experiência com a película conduz à imersão nas emoções experimentadas pelas personagens da vida de Páramo. A história é para ser vivida, em vez de contada.
Há um paralelismo semântico entre Comala, do romance e do filme Pedro Páramo, e Macondo, do filme e da série Cem Anos de Solidão, mas ambas são experiências ímpares. Comala é um universo fantástico imersivo em um espaço-tempo de morte, tirania e dor. Macondo é diuturna, linear e diegética. Se o Gabo bebeu da fonte de Juan Rulfo, Macondo tem a matéria primordial
do insólito tal qual Comala. Macondo é uma concha que ecoa a voz dos vivos. Comala é o
contrário. Na medida de semelhanças, ambas, mágico-realistas.
O filme Pedro Páramo – o mesmo diga-se da série Cem Anos de Solidão – é uma viagem
audiovisual intensa!
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