No amontoado de livros que esperavam etiquetas, dento de um sebo que nascia atrás da PUC de São Paulo, atualmente extinto, avistei uma raridade literária: “Cartas de Amor” de Fernando Pessoa, dedicadas à sua única namorada, Ophélia Queiroz.
As famosas “cartas ridículas“, constatei, que Pessoa, sob o manto de Álvaro de Campos, implicitamente assim as denominou em um de seus poemas, vindas à tona quase um ano depois de sua morte, em 1935, pelas mãos de outro admirável poeta Carlos Queiroz, seu devotado amigo.
O heterônimo Álvaro escreveu uma pérola da poesia sobre o ato de escrever cartas de amor, afirmando assim: “Todas as cartas de amor são ridículas, não seriam cartas de amor se não fossem ridículas. Também escrevi em meu tempo cartas de amor. Como as outras, ridículas. As cartas de amor, se há amor, têm de ser ridículas, mas, afinal só as criaturas que nunca escreveram cartas de amor é que são ridículas.” Um grande achado.
Há quem diga que elas refletem o único episódio sentimental ocorrido na vida do poeta, por esse motivo atribuindo-se valor incalculável a essas correspondências despretensiosas. A escritora, Manuela Nogueira, anota em uma edição recente da obra, publicada pela Editora Assírio & Alvim, que essa relação representou uma luta interior na vida do poeta que sempre se deixou vencer pelo raciocínio e pelo projeto de sua obra como único sonho que desejava concretizar.
Apanhei-o, virei suas páginas observando uma foto antiga de Ophélia e um acróstico de Pessoa. Impávido para não demonstrar demasiado interesse que proporcionasse ao amante de Pessoa um preço amargo, antes que o livro fosse devolvido ao seu lugar para começar a negociar, levantando a vista, deparei-me com o vendedor japonês daquele pequeno estabelecimento do bairro de Perdizes, São Paulo, me fitando num olhar enigmático.
– Essa é uma obra rara. A primeira edição das Cartas de Pessoa. Duvido que outro sebo a possua. Custa R$ 150,00 (cento e cinquenta reais), preço irredutível – disse Takamizaua. Esse poeta,continuou, perdeu a esposa cedo e deixou essas cartas perdidas.
Fernando Pessoa nunca se casou e as cartas estavam apenas guardadas com a família. Devolvi o livro ao amontoado, não havia pressa, ele era o vendedor e eu o comprador. Fingi desinteresse, marcando na mente o lugar em que recolocava a obra. Peguei outro livro em outro lote de gênero autoajuda, desses “como ter sucesso na vida” ou “como influenciar pessoas”, anotado no verso da capa por R$ 10,00 (dez reais).
–Esses livros precisam ser atualizados a preço justo, ainda não tive tempo. Todos são cuidadosamente separados pela grande importância que possuem, entretanto manterei o valor de suas anotações se o senhor comprar um lote de quatro exemplares – garantiu.
Apanhei mais um livro do monte, depois mais um e mais outro, aleatoriamente, totalizando quatro com o que extava em mãos, anotados, também, por R$ 10,00 (reais) cada e finalmente rebusquei e acrescentei no lote de quatro o quinto livro que era o de Pessoa, “Cartas de Amor”, que eu tanto desejava.
De posse do lote desses livros com preços idênticos, indaguei a Takamizaua, em seus olhinhos apertados e atentos, se o livro de Pessoa que custaria R$ 150,00 (cento e cinquenta reais), agora incorporado ao lote dos quatro, poderia também obter por R$ 10,00 (dez reais), fazendo companhia aos demais que eu demonstrei interesse.
O vendedor, observando que a compra já estava razoável, foi ao balcão e preparou uma notinha sem timbre de R$ 50,00 (cinquenta reais), entregando-me em seguida com o alerta de que poderia aplicar 10% (dez por cento) de desconto se a venda ocorresse em espécie.
Assim foi feito, eu indo embora carregando cinco livros em uma sacolinha que os supermercados atualmente vendem, mas só me interessava o das cartas a Ophélia. Parti em direção à rua Monte Alegre, mas na esquina da livraria Cortez, separei o livro de Fernando Pessoa dos demais que resolvi doar a uma estudante que passava e que agradeceu muito sem nada entender.
Em casa, no sofá, lendo as cartas de Pessoa com o Pico da Cantareira escurecendo na varanda, verifiquei, também, o valor de 10,00 reais escrito à lápis no verso do livro de Pessoa e findei meu dia lendo o que nunca me pareceu ridículo, tampouco caro.
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