0

As eleições brasileiras de 2022 se aproximam e eu venho aqui repetir um tópico frequentemente comentado pela nossa editora Franssinete Florenzano e também no excelente artigo da Carolina Guerreiro publicado nesta semana na editoria de Política, que é de extrema importância: a necessidade da representatividade feminina nas posições de poder público.

As representações artísticas (lembrando que toda arte é necessariamente política. Se não é política, se não provoca nenhum tipo de reflexão, não é arte) femininas da Amazônia me fascinam, e um dos primeiros relatos sobre a mulher amazônica é do dominicano Gaspar de Carvajal, que fazia parte da expedição de Francisco de Orellana que entre 1541 e 1542 cruzou o Mar Dulce desde El Barco, no Peru, até o Marajó, no Pará: ele descreveu as mulheres que os nativos chamavam de coniupuyara (grandes senhoras) ou icamiabas. Não iremos, aqui, levantar exatamente a questão se as guerreiras indígenas, organizadas em comunidades inteiramente femininas e que exerciam domínio político sobre as populações vizinhas são reais ou mito, mas o fato de no relato e nas ilustrações seguintes (como a gravura de André Thevet de 1558) terem sido representadas como mulheres brancas, aos moldes da mitologia grega, o que levou à associação e ao termo – equivocado – amazona, que acabou não só por representá-las mas também por dar nome ao Grande Rio, a um Estado e também toda a Região Amazônica.

Quando o invasor europeu apaga a identidade física de mulheres indígenas e atribui imediatamente a elas um aspecto mítico, ele limita a possibilidade de destaque feminino, canalizando esta representação de força para a mulher branca, de sua “semelhança”, sobre quem ele já exercia uma posição de controle milenar – e mesmo assim esta superioridade fica confinada às histórias, ao sobrenatural. Mulheres líderes, guerreiras, capazes de ter força física, política e social, afinal de contas, não poderiam ser reais. Mulheres independentes e com conhecimento… Bruxas. E enquanto começavam a saquear as nossas riquezas naturais retribuíram-nos com as mesmas representações que corroboraram com a construção da opressão social e política na Europa e à qual fomos também condenadas durante todos estes séculos.

Pois bem, estamos em 2022 e infelizmente não podemos apagar tanta coisa tenebrosa do nosso passado, porém estamos novamente em uma posição em que somos capazes de mudar sim muita coisa do nosso futuro. E uma das coisas de extrema importância é que nós, mulheres, que somos a maioria da população, ocupemos a maioria dos cargos que representam o povo. A maioria, e não a metade? Sim, a maioria, por uma questão de proporção. Já repararam que todos os pontos que acusam uma mulher de “feminazi” (geralmente aquele tipo que flerta – ou assume – o fascismo) é exatamente o que os homens fazem há séculos? Pois é.

Nossas imagens, nossas condições de vida, nosso trabalho, nossos direitos só serão respeitados de acordo com as nossas escolhas quando nos representarmos, quando tomarmos a consciência de que temos toda a capacidade do mundo de sermos mais fortes e que a única coisa que nos impede somos nós mesmas, não depositando nossa confiança em forma de votos em mulheres. Só nos reconheceremos nas gravuras quando elas forem desenhadas por nós. Todas as mulheres merecem posições de poder? É claro que não – e está aí a nova primeira ministra da Itália como um triste exemplo. Temos escolhas plausíveis de mulheres para todos os cargos que iremos escolher no próximo 2 de outubro – principalmente os executivos? Silêncio. Mas ainda assim temos a possibilidade de mudar o país através das Assembleias Legislativas, Câmara e Senado com mulheres que estejam na política para fazer políticas pelo social, que contribuam para a equidade em todos os âmbitos, que não sejam meras filhas, irmãs ou esposas de políticos, controladas por eles e que representem apenas a continuação de velhas ideias, de representações construídas por estes homens sobre nós. Votemos em nós para que finalmente todas nós tenhamos a oportunidade de ser quem quisermos – e não só aquelas que, por algum aspecto, se encaixem nas pinturas do que os homens querem ver.

Gabriella Florenzano
Cantora, cineasta, comunicóloga, doutoranda em ciência e tecnologia das artes, professora, atleta amadora – não necessariamente nesta mesma ordem. Viaja pelo mundo e na maionese.

UFOPA enfrenta denúncia de racismo em sala de aula

Anterior

Incra extingue assentamentos equivalentes a 2.941 campos de futebol

Próximo

Você pode gostar

Comentários