“Se a gente matar um monte de judeu e se apropriar do poder economico dos judeus, o Brasil enriquece. Foi isso que aconteceu com a Alemanha pós-guerra!”, atalha o jornalista José Carlos Bernardi na Jovem Pan, em face da notícia de que o ex-presidente Lula fora aplaudido após discurso a Parlamentares Europeus. Allan dos Santos, blogueiro bolsonarista e entusiasta anti-vacina, disse que “omitir o uso da cloroquina é o mesmo que deixar judeus na dúvida entre chuveiro e câmara de gás”.
Para o atual Deputado Federal e filho do atual Presidente da República, Eduardo Bolsonaro, ações que vieram a tirar o então Presidente da República, João Goulart, do poder ocorreram por conta do Congresso e, ademais, com o amplo apoio popular; não caracterizando, então, um golpe. Segundo o ex-presidente da república, Luiz Inácio Lula da Silva, o ditador Daniel Ortega é comparável à chanceler alemã Angela Merkel; afinal, “por que que a Angela Merkel pode ficar 16 anos no poder e Daniel Ortega não?”. E a lista continua.
Trinta e sete anos após a Ditadura Militar – símbolo, em tese, de repressão, perseguição, histórica e cultural, e de censura -, no instante presente, grande parte do que hoje compreendemos como Ocidente vivencia a leviandade dos fatos que ocorreram; não apenas no Brasil, é claro; todo o Ocidente, contudo, vivencia a leviandade de quaisquer verdades em troca do que é conveniente aos olhos.
Diz o senso comum de que o que os olhos não veem, o coração não sente. Mas será mesmo? A prisão, em escala, de presos políticos nas respectivas ditaduras citadas, além de outras minorias, foi afastada do debate político e público pelos dois pólos majoritários do Brasil. Em suas práticas e técnicas, o mal está nos outros, não tendo espaço, portanto, para o reconhecimentos de seus próprios erros. Em suas práticas e técnicas, o inferno são os outros.
Derek Thompson, autor de “Hitmakers: Como nascem as tendências“, explicou os termos “neofílicos” e “neofóbicos”. Para o escritor, somos, mutuamente, neofílicos e neofóbicos; ou seja, gostamos do que é novidade, novo; mas precisamos também daquilo que é familiar. As ideologias polarizantes do Brasil parecem ter estudado sobre isso quando o assunto trata-se de “fake news historica“. Em dado momento, pensa-se que todos já conhecem o tão comentado termo “fake news“; entretanto, o que hoje se experimenta é um método ainda mais eficaz utilizado pelos negacionistas históricos. Perceba a estrutura: leva-se até o debate um fato que todos conhecem, – e que, na maioria das vezes, é veridico -, que seja, o Holocausto; e, após todos de imediato já entenderem do que se trata, puxa-se para a conversa um fato não tão conhecido assim, como a situacao economica alemã no pos-guerra, por exemplo; desse jeito, de pouquinho em pouquinho, pode-se falar o que bem entender-se, por mais ridiculo ou até criminoso que seja, sobre o segundo fato que ainda será visto como certeiro; em casos extremos, genial.
Ainda sobre livros, George Orwell abrange, mais uma vez, em seu livro “1984“, o grande tema das distopias: a liberdade. O protagonista é um homem chamado Winston Smith, o qual trabalha em um ministério do governo, onde este edita reportagens de jornais antigos, alterando os fatos para que o passado esteja de acordo com as convicções do governo. Toca, portanto, Orwell em uma grande ferida da sociedade: Ainda há de se ter liberdade se a verdade histórica nos é privada?
Trinta e sete anos depois, ainda há quem veja o golpe militar como uma resposta do povo e uma resistência ao comunismo. Trinta e sete anos depois, ainda há quem veja, ignorando também todas as ditaduras precedentes, equivalência possível entre um ditador que prende opositores políticos e uma defensora ferrenha da democracia. A eles, deve-se pôr no braço a vacina da verdade; a eles, deve-se lembrar que a história nunca será reescrita.
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