O portentoso arquipélago do Marajó, com cinco mil anos de povoamento humano, no qual há 265 anos, naquele 20 de novembro de 1756, foi achado o teso do Pacoval no rio Arari, primeiro sítio arqueológico de cultura marajoara (400 – 1600), descoberto por Florentino da Silveira Frade, fundador da freguesia de N.Sra. da Conceição da Vila da Cachoeira do Rio Arari, acaba de ganhar o Museu da Beira, na Vila do Chipaia. Trata-se de um autêntico ecomuseu, espaço museológico pensado e construído pela própria comunidade, e inaugurado na emblemática data de 15 de novembro deste ano. Abandonado à própria sorte durante séculos, dizimado pelas doenças infectocontagiosas – malária, hanseníase, varíola, pólio, cólera, tuberculose, escarlatina, sarampo, caxumba, zika, chikungunya, febre amarela, dengue, micoses, raiva humana e ultimamente a Covid-19 -, até há poucos anos sem qualquer controle sanitário, o povo marajoara resiste e materializa sozinho pequenos sonhos que revelam feitos grandiosos.
Pois ali, naqueles rincões desconhecidos pelos próprios parauaras, o professor Maués e a professora Genilda Meireles Mesquita, do EJA (Ensino de Jovens e Adultos) da Escola Adaltino Paraense, idealizaram o Museu da Beira. Buscaram e conseguiram o apoio da secretária municipal de Educação, Anete Dias, e de toda a comunidade de Chipaia. E mostraram ao mundo – e ao município de Cachoeira do Arari – que é possível concretizar um sonho coletivo.
O Museu da Beira tem três vitrines sobre a arqueologia marajoara, dois computadores caipiras sobre os saberes da floresta e dois móveis sobre os fazeres da pesca e mandioca, além de uma exposição fotográfica. Eis a ficha técnica dessa impressionante realização. Proponente: Genilda Meireles Mesquita; curadoria: Edne Maués; arqueóloga: Brenda Bandeira; pesquisa: Adailson Silva; e design de móveis: Giovani Serra.
No Marajó nunca um governante deu tamanho presente. Jamais houve uma parceria comunidade-museu-município-estado-país. A Casa da Memória Mangabeuara, localizada na Vila da Mangabeira, no município de Ponta de Pedras, é também um ecomuseu, fruto da mobilização popular. A importância e o significado dessas iniciativas são gigantescos. Concebidos em meio a uma população historicamente desassistida cujas manifestações culturais milagrosamente emergem em meio aos altos índices de analfabetismo, esses museus são verdadeiros laboratórios e escolas, onde os marajoaras se preocupam em tornar conhecida a sua dignidade e expressão artística.
Enquanto isso, o pioneiro Museu do Marajó – inventado pelo lendário Padre Giovanni Gallo em 1973 no município de Santa Cruz do Arari, e que fechou em 1981 totalmente em ruínas, tendo sido na época transferido todo o acervo para Cachoeira do Arari, onde também jamais obteve a devida atenção do poder público, fechou as portas em 2018, diante de laudo técnico do Corpo de Bombeiros apontando alto risco de desabamento, e continua à espera das obras de reconstrução a cargo da Secult, que ainda estão pela metade. Foi uma das primeiras visitas do governador Helder Barbalho em 2019, e encheu de esperança o povo marajoara, que em boa hora lembra a necessidade desse resgate da sua história, arte e cultura.
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